sábado, 19 de junho de 2010

Não há nada que eu possa fazer

Por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte.
Não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração!

Caetano Veloso & Rita Lee

Caetano Veloso descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: “Lula é analfabeto”. Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadora Marina da Silva, que tem diploma universitário. Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, “porque ela tem cara de quem está com fome”.
Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.
Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos nos ajudam a compreender a aventura da existência humana.

Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados.
De um lado, reforçam a ideia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política.
A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola.
.“Venenosa! Êh êh êh êh êh!/ Erva venenosa, êh êh êh êh êh!/ É pior do que cobra cascavel/ O seu veneno é cruel…/ Deus do céu!/ Como ela é maldosa!”.


O mapa da fome
A primeira fome é, efetivamente, fome de comida, fome que roea infância , quando comem calango com macaxeira .trazem seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nascem com elas e acabam aumentando o alto índice de mortalidade infantil.
Fome e sede de justiça:
.

Tudo vira bosta
Esse é o retrato das fomes dos Silva que - na voz de Rita Lee -descredenciam para o exercício da presidência da República porque,
“o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta”.
Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música - ‘Se Manca’ - dizendo a ela:
“Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca”.
Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas - ‘Você vem’ - ela faz autocrítica antecipada, confessando:
“Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem… e faz piada”.
Como ela é mutante, espero
quefaça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando:
"Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você”.
A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, “ela tem cara de professora de matemática e mete medo”. Ah, Rita Lee conseguiu me convencer a votar na ministra Dilma ! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, com a professora Mercedes Ponce de Leão, , ou com a nega Nathércia Menezes,.
Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos.. Sobra quem?
Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney,, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz?
..
O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil…

Candidatas e a causa feminina



O que a imprensa tem mostrado, embora não discuta o assunto, é que o fato de haver duas mulheres disputando a presidência da República não choca mais ninguém, como sonhavam as feministas no começo do movimento que lutava por direitos iguais. Inegavelmente esta é uma área em que o feminismo pode se considerar vitorioso. Mas será que Dilma Rousseff e Marina Silva refletem a real situação da grande maioria das mulheres brasileiras?
Até outubro, as mulheres estarão em destaque no noticiário político. Semana passada, por exemplo, Dilma dominou as páginas de jornais graças à convenção do PT e ao lançamento "oficial" de sua candidatura. Matéria de página inteira do Estado de S.Paulo de domingo (13/6), com direito a fotos da infância até os dias de hoje, contou a história da candidatura num tom que dispensa matéria semelhante caso ela venha a se tornar presidente. Em mais meia página, a candidata oficial aparece novamente, cercada de balões e políticos, na matéria que diz:
"De olho no voto feminino, fatia do eleitorado em que a ex-ministra precisa ampliar os índices de intenção de voto, o PT organizou um ato político colorido para ser uma `celebração à mulher´. No material de campanha estão estampados os dizeres `Pátria Mulher, Pátria Mãe´"(O Estado de S. Paulo, 13/6/2010).
As duas são divorciadas, mães e chefes de família. Dilma, 62 anos, viveu o auge do movimento de libertação da mulher e, embora nunca se tenha declarado feminista, é um bom exemplo das feministas da sua juventude. Criada em escola católica e tradicional de Minas Gerais, abandonou o projeto familiar para as meninas de sua geração (casar, ter filhos, ser feliz e conformada para sempre) para entrar na universidade e na luta armada. Depois da prisão, concluiu o curso universitário e fez carreira política, que teve seu auge como ministra (e ministra forte) do governo Lula. Agora, por escolha pessoal do presidente, tenta ser a sucessora.
Um acidente de percurso
Marina da Silva, 52 anos, enfrentou outro tipo de luta. Menina pobre nos seringais da Amazônia, se alfabetizou depois de adulta, cursou universidade e começou a carreira política como vereadora (a mais votada de Rio Branco AC, em 1988), depois deputada federal e senadora. Foi ministra do Meio Ambiente do mesmo governo Lula e saiu – do governo e do partido do presidente – por discordar da política ambientalista. Isso depois de ganhar projeção internacional com o prêmio Champions of the Earth de 2007, da ONU, concedido a outras seis personalidades do mundo.
Enquanto Dilma tenta conquistar o eleitorado feminino (Lula quer que ela seja conhecida como a "mãe do PAC"), Marina procura ampliar seu leque para além do estigma de candidata verde: faz questão de dizer que é a primeira mulher negra e pobre a disputar o cargo.
As duas representam, sem dúvida, uma vitória das mulheres. Mas, o que os jornais não discutem – mas deveriam – é o que elas representam para 50% do eleitorado brasileiro, as mulheres. O fato de elas serem mulheres parece ser apenas um acidente de percurso. São pessoas competentes na política que, por mérito ou manobras, chegaram à disputa. Mas será que a presença delas significa um aumento no número de mulheres disputando os cargos à Câmara dos Deputados e ao Senado da República?
O significado para as mulheres
Uma pesquisa feita pelo Tribunal Superior Eleitoral revela:
"Nas eleições de 2006, enquanto uma mulher foi eleita para cada grupo de 545.898 brasileiras, a proporção diminui para os homens: um foi eleito para cada grupo de 63.168. A proporção de representantes femininas em relação aos eleitos é cerca de nove vezes menor. A constatação resulta de levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por outro lado, tendo em conta o total de eleitores no país, para cada 372.886 eleitoras, houve uma candidata eleita. Já no caso masculino, um candidato elegeu-se para cada grupo de 41.881 eleitores."
Seria melhor que a imprensa, em vez repetir o tedioso noticiário sobre as atividades, manobras e discursos dos candidatos – já que é preciso falar de todos para não haver acusações de favorecimento – procurasse mostrar o que a presença de Dilma e Marina realmente significam para as mulheres. Enquanto as deputadas e senadoras forem minoria no Congresso, leis que realmente interessam às mulheres (saúde, educação de filhos, igualdade salarial etc., etc.) continuarão engavetadas. Por mais feministas e dedicadas às causas femininas que sejam os governantes, homens ou mulheres.