quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

VAI QUEM QUER, AZAR OU SORTE DE QUE FOR!

Dentre tantos olhares, que vi em imagens pela T.V;.do alto do carro de som na Lavagem da Sapucaí, o mundo parou: a imagem que vale mais que mil palavras, uma senhora passava a mão no rosto para escorrer as lágrimas que escorria de seus olhos, olhava o céu negro e o cimento cinza do chão. Parecia muito emocionada, a mágica daquele momento, que nunca mais se reproduzirá, tocou-lhe o coração. Muito feliz? Demasiadamente triste? Problema na família? Paixão? Desejo? Desespero? Não saberei, ela sabia que vivia no único país do mundo onde tudo aquilo que ela experimentava podia acontecer junto, na loucura paradoxal que a Escola de Samba é! Vestida de baiana, a senhora estava com as vestes brancas embabadadas das filhas ou mães de santo. Tinha flores nas mãos. Estava na procissão negra dos Orixás, tocavam os tambores que vieram com os navios negreiros, fogos explodiam, muita fumaça de defumação; e o que cantavam aos gritos, pulmões abertos? "Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura, sara todas as feridas, me ensina a ter santidade, faz um milagre em mim", sucesso gospel brasileiro. Antes tínham rezado o "pai nosso que está no céu" do Cristianismo. Portanto tantas possibilidades de fé encheram de emoção aquela sambista e ela chorou, agradecida. Claro que é uma hipótese, mas acho que tudo tem tudo a vê, numa só cerimônia. Talvez este conceito de Deus, de vários credos, quando invocados em conjunto se transformem numa só energia, calcinante e apaziguadora ao mesmo tempo.
Minutos antes, ela amarrava as ervas nas vassouras que as baianas do Abarajé iriam usar para varrer os maus presságios, a drag-queen gritou: "mas se não tiver banheiro gay eu vou ajeitar minha peruca onde?" Ela tocou na especificidade do carnaval que são as bichas do samba, que não podem usar o banheiro hetero por decisão própria, pois querem conforto e limpeza. Claro que podem ir onde quiserem, mas ssão elas(eles) que não querem ir, ninguém pode obrigar a nada. É muito brilho, muito vestido longo, salto agulha, plumas, que não podem arrastar na lama do banheiro hétero, que quase sempre são sujos

Tem coisas mesmo, que só acontece no país do carnaval! Tipo vai quem quer, azar ou sorte de quem for....


Nós gostamos tanto de religião que uma só é pouco. Ou seja, na hora de rezar, todo santo ajuda. Para desespero de xiitas de todas as religiões, nós soubemos adaptar diferentes formas de falar com Deus. Nos nossos altares, sempre cabe mais um.
Esta relação foi, nos últimos tempos, abalada pelo radicalismo de algumas denominações evangélicas. Manifestações tão familiares como a veneração de imagens em igrejas católicas ou as incorporações de entidades em cultos afro-brasileiros passaram a ser classificadas como expressões do demônio.

Todo mundo tem o direito de achar o que bem entender. O problema é que alguns mais exaltados, para propagar suas verdades, passaram a ofender e até a agredir os que com eles não compartilhavam da mesma crença, gestos incompatíveis com a nossa tradição de respeitar os deuses alheios e até mesmo de tirar uma casquinha deles. Nenhuma fé é melhor que a outra; nem a ausência de fé pode ser julgada. Todos somos livres para acreditar e também para não crer.

De uns tempos pra cá, notícias sobre ataques a terreiros se tornaram mais ou menos comuns, passeatas em defesa da liberdade religiosa precisaram ser organizadas. Sobrou até para o samba: alguns Sambistas andaram se queixando que, por influência de pastores, muita gente decidiu se afastar das quadras, o gênero musical passou a ser visto como uma extensão das religiões de matriz africana.
Isso tudo justifica minha alegria. Num Sambódromo lotado, mulheres com roupas usadas em cultos de umbanda ou candomblé engrossaram, emocionadas, o coro de ‘Faz um milagre em mim’, sucesso do evangélico Regis Danese, membro da Assembleia de Deus. Foi de arrepiar ver a canção Gospel sendo levada em ritmo de samba, acompanhada por vários percussionistas e pelo público. Aquele cortejo resgatou uma das nossas melhores características, como o respeito, a compreensão, a capacidade de absorver influências, a rejeição ao preconceito. A tolerância, assim como o samba, é nosso dom.

A pista de tantos desfiles foi lavada pela esperança e pelo desejo de uma convivência pacífica e agregadora.

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