sábado, 26 de fevereiro de 2011

O QUE SOBROU!

“A grande paixão que foi inspiração do poeta, é o enredo que emociona a Velha Guarda e a comissão de frente, a diretoria. Glória a quem trabalha o ano inteiro em mutirão! São escultores, pintores, bordadeiras, carpinteiros, vidraceiros, costureiras, figurinistas, desenhistas e artesãos...Gente empenhada em construir a ilusão, que têm sonhos, como a velha baiana, que foi passista, brincou em ala... Dizem que foi o grande amor de um mestre sala.”

Avis0u aos pais e irmãos que estava indo embora. Como sempre, chorou baixinho, num canto. Ele, como era de se esperar, disse: "não conte com minha ajuda....". "Pai, eu não estou te pedindo dinheiro. Acho que nem um abraço. Estou te dizendo que vou embora para sempre...". Um dos irmãos disse que iria voltar com o rabo entre as pernas. perguntou se eu sabia quantos descem de pau-de-arara para o Rio de Janeiro. Do alto dos dezenove anos sonhadores, nem imaginava o risco da empreitada, só queria partir.
O que mais chocava era a falta de perspectiva daquelas vidas, sempre moldadas no que os outros iriam pensar. Nunca disseram, um na cara do outro, o que realmente pensavam. Éram ilhas fingidoras, isoladas naquele arquipélago de desamor. O que queria ser piloto de aviões, desistiu. O que queria ser arquiteto não conseguiu. A mãe planejara uma vida feliz ao lado do homem que não a amava. A felicidade não veio, mas ela não largou a empreitada, mesmo afundada em tantas amantes dele. Havia o irmão menor, sendo usado por eles como moeda de troca. Ele (a) , filho do meio, empenhado em ter diploma e tecer redes de esperança de que um dia seria feliz, longe daquilo tudo. Pouco importava a violência, um dia tudo aquilo seria passado. Era preciso agüentar firme.
Naquela madrugada acordou feliz, se aprontou para a felicidade chamada futuro, e desceu as escadas. Para surpresa, o velho esperava já pronto na sala. Silêncio. Os rostos, iguais em tanta diferença, banhados em lágrimas. "Tá fazendo o que deveria ter feito na minha juventude, e não tive coragem de fazer". "Adeus pai...". E nunca olhou prá trás. Nada melhor que passar fome em liberdade. De que adianta comida se tem fazer o que não se gosta? Hoje, vejo desfilar nos blocos de sujos, de mascarados. São o que sobrou daquelas vidas sem planos pessoais, para a grande folia que é viver!
Neuber,Angra dos Reis,26 de fevereiro de 2011.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A fertilidade das cinzas

A capacidade de superar obstáculos e de renascer está tão enraizada em nos Brasileiros, como a beleza de nossa arte. Assim como os poetas do samba transformam tristeza em canções do mais puro encantamento, os trabalhadores e artistas que desfilam sua arte na Marquês de Sapucaí, sempre e apesar das s catástrofes da vida, fazem emergir uma energia de transformação que recria conceitos e fortalece ainda mais a nossa maior festa. Nossos olhos espantados se voltaram para a Cidade do Samba na última segunda-feira, certamente inundados de lágrimas, com o inacreditável incêndio que destruiu fantasias e alegorias de três escolas de samba — Grande Rio, Portela e União da Ilha — e do Barracão Cultural, onde funcionam os projetos sociais que formam artesãos para os bastidores desta grande festa popular. As labaredas espalharam pelo céu da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro mais do que fumaça. Espalharam a mensagem de destruição, não apenas de alegorias, fantasias e adereços, mas também de sonhos contidos nos projetos carnavalescos, mas também nos projetos de vida de milhares de artistas anônimos.
Nos bastidores da folia, milhares de pessoas, encontram trabalho que os resgatam das margens da sociedade e lançam sobre eles os holofotes da oportunidade e da autoestima(sem o seu trabalho, o homem não tem honra). O Carnaval vai muito além da Passarela do Samba, ou melhor, Curral do Samba. Ao longo de todo o ano, carnavalescos e compositores constroem a parte mais visível do espetáculo.
Ao mesmo tempo, um batalhão de anônimos trabalhadores costura tecido por tecido, cola pedrinha por pedrinha, esculpe e pinta cada detalhe de fantasia que brilhará na Sapucaí, dando vida à criação desses artistas, muitas vidas reencontram novos rumos a partir do samba e do Carnaval. Impossível não lembrar do mito grego da Fênix, que ao morrer é consumida pelo fogo, para renascer das cinzas. “Desde que o samba é samba é assim”, desde Tia Ciata é assim.
Superar a dor e transformá-la em alegria. Isso é uma das maiores lições do Carnaval. Tudo depende, é claro, da forma como vemos as coisas.
Quem não se lembra de histórias de Carnaval, no fim do desfile, componentes saindo com os pés todos machucados? Do incêndio do carro da Viradouro, com os foliões cantando para que a escola não perdesse pontos? Do tocador de surdo das baterias saírem com as mãos enfaixadas, das baianas superando o peso da idade e carregando as fantasias com leveza?!.
No ano da inauguração do Sambódromo(1984) a Mangueira no Desfile das Campeãs, foi até a Praça da Apoteose e dali voltou com todos os seus foliões cantando e dançando e aquela cena me marcou.
Quero poder me lembrar desses dias e ver que vi tanta coisa bonita e tirei lições para a minha vida. Através dessa festa pude perceber o quanto somos capazes de superar obstáculos, somos um povo nariz de Batata sim, temos misérias, corrupção também, mas somos um povo sem medo de ser feliz!
Com nosso jeito único de viver com arte, tenho certeza que será criado novos enredos de superação.