terça-feira, 29 de novembro de 2011

Céu na Praia

Era horário de verão, por isso o sol parecera atrasar seus próprios sonhos. Os relógios marcavam dezenove horas. Céu ainda estava sentada na areia da praia, ninguém conseguia tirá-la de lá.Ela ainda era uma garotinha que antecipava os sonhos atrasados do sol. E só queria ficar ali sentada contemplando o infinito, construindo seus castelos de muros altos e rios infestados de jacarés – para os outros eram apenas montes de areia, e conchas - e ela sabia que amanhã já teriam sido derrubados e destruídos por causas naturais ou nem tão naturais assim, mas ela reconstruiria tudo alegremente porque era sua fortaleza.Queria um guarda-sol imenso para ofuscar a claridade e poupar o tempo que gastava com protetor solar, queria também um moletom dez vezes maior que o seu tamanho para aquecer-se e sentir-se segura, mas queria, mais do que tudo, que a deixassem ser quem era.Gostaria que não a impedissem de apanhar areia e comer, que a deixassem correr em círculos até o mar, que não a chamassem de assassina por naufragar barquinhos de papel juntamente com sua tripulação invisível, que o vendedor de picolés compreendesse seu desgosto por escolhas e a deixasse sortear algum sabor de olhos fechados.Queria que não a condenassem por usar tênis na praia de vez em quando e não a olhassem estranho quando decidisse esconder-se em algum buraco cavado na areia, que acreditassem quando ela dissesse que nuvens podem ter a forma que desejamos e que há muitas escadas pendendo do céu.Mas, ninguém ali poderia compreender ou acreditar, pois viviam dizendo que estavam velhos demais para isso, tudo era do jeito que era e não podia ser transformado. Já para ela, tudo era fascinante, surpreendente, saboroso; e não importava se amargo fosse, nem de que forma as almas antigas viam o que ela enxergava.Achavam engraçado o jeito como ela balançava sobre os calcanhares e o modo como soprava a franja para longe dos olhos. Ficavam todos impressionados com o talento para discursos quando ela abria a boca, mas e daí? Ela só desejava que seus castelos de areia fossem mais significativos e importantes do que suas mãos sujas.

domingo, 27 de novembro de 2011

Você

Você, que carrega pelas ruas esse balão que não tem o ar dos meus pulmões, esse balão que me angustia.

Você, que não se cala nem quando está dormindo e gosta de contar histórias para quem quiser – e para quem não quiser – ouvir.

Você, que brinca com a comida e bebe a água que cai do céu, que rala os joelhos na estrada e ri da própria dor.

Você, que ainda não sentiu dores piores, mostra para mim o seu sorriso de menina que tem as janelas mais vivas que já vi na vida.

Você, que ri só de pensar em cócegas e esconde-esconde o próprio esconderijo para ninguém mais encontrá-la.

Você, que está sempre tão presente, não voe para tão longe de mim com seu balão de gás.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

F A N T A S M A S

O mundo girava, e ela podia sentir, o chão se abria logo abaixo, mas não era algo que importasse, ela nem ao menos necessitava do chão, andava nas nuvens e morava na lua. Até que um dia o vento fez seu equilíbrio desequilibrar-se, logo o vento que ela venerava. Caiu em uma nuvem muito baixa, sentiu o perigo se aproximar, estava fraca, vulnerável, ferida, quebrada, desequilibrada, afetada. Derrotada?
Sentiu a brisa tocar-lhe a face, os ventos pareciam mudar de direção. Estava assustada. Precisava fugir dali, para qualquer lugar. Sozinha. Com seus pensamentos interrompidos.Era invisível, e nem sequer precisava de capas mágicas ou de esconderijos. Era um fantasma pairando sobre o céu cinzento de algum mundo perdido. Ela olhava ao seu redor, e lá estavam elas, as pessoas que sorriam, para ela? Mas é claro que não, ela era só um fantasma invisível, e tolo.

sábado, 5 de novembro de 2011

Donos da Praça

Dono do melhor boteco do mundo, estava mais mal-humorado que o de costume domingo à noite. Nada a ver com a derrota do seu time. A bronca era porque, no caminho para o bar,ele ouvira dois casais defenderem a retirada de favelas do bairro. “Eles disseram: ‘Até quando esse pessoal vai ficar por aqui?’”, indignavam-se.O único boteco da Terra que tem uma espécie de editorial; lá pelas tantas o dono pede silêncio e deixa fluir sua revolta. Depois da queixa, escalou uma cliente, uma gringa que não falava português, para rodar a caixinha — uma embalagem de garrafa de uísque — onde recolhe doações para projetos sociais apoiados pelo bar.Ele só não estava mais irritado porque não ficara sabendo da manifestação de alguns moradores de Ipanema contra a construção de uma estação do metrô na Praça Nossa Senhora da Paz. Eles — que se julgam donos de um espaço público — alegam que a presença dos passageiros irá acabar com o sossego da praça, com o sossego deles. Alguns até levaram cartazes onde escreveram “A praça é nossa”. Como na velha piada: “Nossa de quem, cara-pálida?” Sim, a praça é nossa, de todos nós, pobres, ricos: é mantida com a grana de nossos impostos. O direito de moradores sobre aquele terreno não é maior nem menor do que o de qualquer outro cidadão.Outro dia, alguns moradores do Leblon também se disseram contra uma estação de metrô no bairro. Eles e seus vizinhos de Ipanema acham que moram numa espécie de condomínio fechado, só não têm coragem de confessar o preconceito contra aqueles que consideram invasores. Há uns 25 anos anos, houve manisfestação semelhante contra a decisão do governo Brizola de criar linhas de transporte coletivo que atravessasem o Rebouças e facilitasem o acesso aos dois bairros. Houve gente que propôs impedir a circulação dos ônibus nos fins de semana — isto, para impedir a presença de pobres nas suas praias. É assustador ainda ter quem aposte na segregação, que sonhe com a manutenção de um Brasil para os pobres e um outro para ricos. O caos de nossas cidades, a violência e a má situação de escolas, hospitais e etc. públicos são, em boa parte, consequência desta lógica desumana, egoísta e burra.

Um país só é bom se for bom para seus habitantes, para todos nós, juntos, felizes e misturados

F I N A D O S

Finados é um dia complicado.Mesmo quando a gente não vai ao cemitério nem compra flores. É um dia de saudade. Saudade, claro, dos que já não vivem entre a gente.Mas sente, também, saudade dos vivos.Dos tempos e das emoções vividas. Das pessoas que foram decisivas na nossa infância ou adolescência e que, por um motivo qualquer, e que, muitas vezes a gente nem sabe direito, não convive hoje, no dia a dia. E estas pessoas não morreram, estão vivas. A gente pode ligar pra elas, procurar, retomar contato ou pelo menos tentar.Mas não tenta deixa pra amanhã, pra depois,pra uma hora melhor.
A gente tem, muitas vezes, saudade de coisas,de objetos, de descobertas,de sabores. E, quase sempre, esta saudade não tem solução nem quando a gente se vê, de novo, frente a frente com o objeto do desejo, da saudade. Porque o gosto não é mais o mesmo, o cheiro não é mais o mesmo e, às vezes, até mesmo a pessoa, objeto e
Sujeito da saudade,não é mais a mesma.Tampouco sou saudosista,do tipo “os velhos tempos é que eram bons”. Cada coisa boa é boa no seu tempo .Até porque agente não era,ontem,a pessoa que é hoje.Não sentia do mesmo jeito, não sabia avaliar como avalia hoje. Não falaria as mesmas palavras,não faria as mesmas perguntas, não riria das mesmas histórias,não sentiria saudades das mesmas coisas.Reli, esta
semana, Carlos Drummond de Andrade. Não nego que senti saudade da minha juventude,da minha aparência. Senti saudade do nosso poeta maior. A partir deste dia 31 de outubro de 2011, todo dia 31 de outubro(aniversário do poeta, ano que vem serão 110 anos) será o dia D.Odia dele, de Drummond.
O que Drummond diria, hoje não sei. Mas relemdo o que ele disse,em 1940, no livro ‘Sentimento do Mundo’, num poema chamado‘Mãos Dadas’.

“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito,vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher,de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer,a paisagem vista da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria,do tempo presente,os homens presentes, a vida presente.“



Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e se olhem com dois olhos.
Caminho por uma rua que passa em muitos Paises se não me vêem, eu vejo, e saúdo velhos amigos.
Minha vida, nossas vidas formam um so Diamante. Aprendi novas Palavras, e tornei outras mais Belas!


Drummond merece todas as homenagens mas a escolha não foi das mais felizes. Dia D, pelo menos para mim, lembra a maior carnificina da história, quando, em 1940, os aliados desembarcaram na Normandia,o fim da segunda guerra mundial (se houver a terceira não restará ninguém para contar).Milhares de soldados foram mortos ao desembarcar na França debaixo do fogo de artilharia nazista.
Minha sugestão:em vez de Dia D por que não Dia da Pedra?
Foi o poema que mudou a poesia brasileira (“Tinha uma pedra no meio do caminho”).

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Vestígio

Meu indicador tem uma nova cicatriz em espiral, por tua causa. É que acompanhei as formas disformes do teu cabelo e acabei ferido.
Atravessei tua armadura sem dificuldades e estou começando a compreender o porquê: Ela foi vestida do avesso.
Eu que gosto de inventar, inventei palavras para a nossa linguagem averbal, mas nem mesmo o meu vocabulário inventado foi o bastante para preencher tanto silêncio.
Desculpe se te observo com estas mãos que nada esquecem. É meu jeito de tentar te entender.
Acho que até senti teu grito passar pelos poros e veias. Fique ao meu lado.

Tua cicatriz sem história não me deixa partir, nem ficar, nem dormir.
Há uma promessa não feita que estou devendo. Dissolve-se enquanto o tempo corre. Enquanto o tempo corre.
O tempo corre... Corre!
Antes que tuas pernas esqueçam como era andar antes de mim.