sábado, 5 de novembro de 2011

Donos da Praça

Dono do melhor boteco do mundo, estava mais mal-humorado que o de costume domingo à noite. Nada a ver com a derrota do seu time. A bronca era porque, no caminho para o bar,ele ouvira dois casais defenderem a retirada de favelas do bairro. “Eles disseram: ‘Até quando esse pessoal vai ficar por aqui?’”, indignavam-se.O único boteco da Terra que tem uma espécie de editorial; lá pelas tantas o dono pede silêncio e deixa fluir sua revolta. Depois da queixa, escalou uma cliente, uma gringa que não falava português, para rodar a caixinha — uma embalagem de garrafa de uísque — onde recolhe doações para projetos sociais apoiados pelo bar.Ele só não estava mais irritado porque não ficara sabendo da manifestação de alguns moradores de Ipanema contra a construção de uma estação do metrô na Praça Nossa Senhora da Paz. Eles — que se julgam donos de um espaço público — alegam que a presença dos passageiros irá acabar com o sossego da praça, com o sossego deles. Alguns até levaram cartazes onde escreveram “A praça é nossa”. Como na velha piada: “Nossa de quem, cara-pálida?” Sim, a praça é nossa, de todos nós, pobres, ricos: é mantida com a grana de nossos impostos. O direito de moradores sobre aquele terreno não é maior nem menor do que o de qualquer outro cidadão.Outro dia, alguns moradores do Leblon também se disseram contra uma estação de metrô no bairro. Eles e seus vizinhos de Ipanema acham que moram numa espécie de condomínio fechado, só não têm coragem de confessar o preconceito contra aqueles que consideram invasores. Há uns 25 anos anos, houve manisfestação semelhante contra a decisão do governo Brizola de criar linhas de transporte coletivo que atravessasem o Rebouças e facilitasem o acesso aos dois bairros. Houve gente que propôs impedir a circulação dos ônibus nos fins de semana — isto, para impedir a presença de pobres nas suas praias. É assustador ainda ter quem aposte na segregação, que sonhe com a manutenção de um Brasil para os pobres e um outro para ricos. O caos de nossas cidades, a violência e a má situação de escolas, hospitais e etc. públicos são, em boa parte, consequência desta lógica desumana, egoísta e burra.

Um país só é bom se for bom para seus habitantes, para todos nós, juntos, felizes e misturados

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