Esta campanha eleitoral não
dividiu o país, mostrou
as diferenças
que existem desde a chegada dos chamados
descobridores.
A divisão começou quando integrantes dos
diversos
grupos humanos que havia por aqui foram combatidos,
escravizados
e mortos. As capitanias hereditárias, o projeto de
dividir a
colônia entre os que tinham e os que não tinham terras.
A
importação de africanos para o trabalho escravo, a maior
vergonha
da história, criou a mais cruel das separações: a exis-
tência de
homens e mulheres que não eram considerados seres
humanos,
pessoas passíveis de espancamento, que podiam ser
submetidas
a absurdas jornadas de trabalho e a abusos sexuais.
Escravos
sequer tinham direito a ficar com seus filhos, vendidos
Como alguns
fazem com filhotes de cães e gatos.
Do ponto
de vista histórico, a escravidão acabou há pouco tempo,
os avós
dos que hoje têm mais de 40 anos certamente conviveram
com
ex-escravos. Os 126 anos desde a Abolição foram insuficientes
para
apagar os conceitos que marcavam e
justificavam as diferenças
entre
homens livres e escravos, entre brancos e negros.
Ainda e
comum ouvir expressões que procuram legitimar o suposto
lugar de
cada um, lugares que não podem ser mudados. Só em 1996
é que foi
assinada lei que proíbe discriminação em elevadores sociais.
Para
justificar a má qualidade da educação e da saúde, dizem : “Pra
quem e,
está bom”. “Quem”, aqui como sinônimo de pobre. A divisão
— na maioria dos casos, ainda é — evidente. As
melhores escolas e
os bons
hospitais eram para poucos, filhos de pobres não deveriam
estudar, tinham que reproduzir a pobreza dos pais. Boa
parte da socie-
dade achava que nada precisava ser mudado. As leis sobre
o trabalho
doméstico
só chegaria em 1972. Ainda hoje, muita gente acha normal
que
empregadas durmam nas casas dos patrões, fiquem 24 horas por
dia à
disposição deles—e recebam por apenas oito horas de trabalho.
Para
tantos e tantos brasileiros, qualquer passo que busque acabar com
a velha
divisão é classificado de ilegítimo. O ódio de parte da sociedade
ao Bolsa Família revela que, para muita
gente, só quem já tem dinheiro
é que
pode ser ajudado pelo Estado.
A eleição não
dividiu o país, apenas deu a muitos daqueles que estão entre os mais ricos
a coragem de gritar, de dizer que não admitem o rompimento de tantas fronteiras.
Eles vão ter que se conformar, o país mudou.