sexta-feira, 11 de maio de 2018

silêncio no tribunal






Pouco antes de entrarem em cena, se dirigem, um a um, à sala de maquiagem. Reforçam a tinta capilar, remodelam a sobrancelha,
aparam pentelhinhos do nariz.
Todos pedem à moça que capriche na base e nos cremes.
Toca a campainha, eles ocupam seus lugares, o diretor grita "Ação" e seja o que
Deus quiser.
"Eu peço a palavra a Vossa Excelência para proclamar, com a vênia e a compreensão dos demais membros dessa Corte, que o progenitor de Vossa Excelência era um renomado ladravaz do alheio. Enquanto a cônjuge do mesmo, por equivalência legal, equiparação moral e justo paradigma progenitora de Vossa Excelência, faz jus, no amparo da lei, ao epíteto de mulher de vida desregrada."
"Por que Vossa Excelência não proclama, com todas as devidas palavras do embargo, o que está a blasfemar com as pouquíssimas que conhece? Que o meu pai era ladrão e que minha mãe era rameira e que, por conseguinte constitucional, eu sou um filho da puta?"
"Seria de bom tom que Vossa Excelência moderasse o vocabulário, pois não temos que ouvir aqui suas blasfêmias, vilanias, vilipêndios contumazes. Ate quando vamos ter que aturar sua presença nefasta e o seu linguajar de prostíbulo? É um desprazer cotidiano e contumaz sermos obrigados a conviver, nesse plenário, com a presença amarga de Vossa Excelência. Outrossim..."
"Outrossim, como diria Graciliano Ramos, é a puta que o pariu!"
"Data vênia, ainda não lhe concedi a palavra!"
"Então, peça vista e arquive a palavra no escaninho dos anais..."
Câmaras se deslocam para alguém, de voz suave e delicada, até então em silêncio:
"Senhores, eu peço que mantenham o nível!"
"Perdão, presidenta... Outrossim, como diria antes de ser interrompido, a presença infame e infamante de Vossa Excelência, que tanto deprecia e macula o ar desse ambiente..."
"O que macula o ar desse ambiente são os gases e o hálito de Vossa Excelência!"
Câmaras se deslocam novamente. A voz  da Presidenta, antes delicada, agora um pouco mais grave:
"Puta que o pariu, senhores! Podem manter o nível???"
Depois de servir água e café para todos, o copeiro levanta a mão e fala alto:
"Um momento da atenção de vocês, por favor!"
Param todos, espantados com a ousadia do rapaz. Os câmeras gelam. O diretor não sabe o que fazer. Antes do esperado grito de "Corta", o copeiro prossegue, dono da cena:
"Vocês acham que é para isso que eu pego dois ônibus e um trem todas as manhãs?! Para chegar aqui e ficar ouvindo esse bate-boca desagradável?!"
Deixa a bandeja de água e café, juntamente com a toalhinha branca, bem diante do laptop da presidenta. E dá as costas, resmungando:
"Ora, vão procurar um tanque de roupas! Uma lâmpada para trocar!! Uma Constituição para ler!!!"
Silêncio no tribunal.

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