domingo, 22 de janeiro de 2012

Acidentes!

Foi aterrorizante esta ali; naquela praça no centro da cidade onde todas as flores estavam desbotadas, onde o silêncio doía e o vento cortava. Naquele dia em que Angra 1, 2,e 3 explodiram.Vi pessoas descascando igualzinho a papéis de parede envelhecidos. Revelando as imperfeições que escondiam. Tudo exposto. Uma delas tentava colar as partes que se desprendiam da testa, outro gritava, alguns xingavam, e todos tinham no rosto a mesma expressão de desespero.Os bancos estavam cheios, as pessoas esforçavam-se para não se tocarem, percebi que não tinham escolha senão sentar e tentar entender, e tentar impedir, e tentar aceitar. Algumas resistiam bravamente caladas - talvez estas já tivessem aceitado.Percebi então uma garotinha que tremia e escondia o rosto nas mãos, o vestido estava rasgado e como tudo naquele lugar estava desbotado, cinza, descascando. Senti um impulso repentino de abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem. Quis fugir levando-a nos braços. Ela era diferente, suas imperfeições eram perfeitas. Havia cor no cinza do corpo dela, eu sei.Tentei me aproximar, mas não pude. Meus pés colaram no chão. Talvez fosse tarde demais. Quando dei por mim havia um garoto tocando minha mão esquerda. Branco e frio como a morte. Era diferente também, tinha passos firmes e nunca sentaria. Olhar vazio. Ele sorriu um sorriso triste e eu o abracei. Certamente era tarde demais.Senti meu corpo mudar, a imagem provavelmente foi semelhante à morte de uma lula gigante. Perdendo a cor, perdendo a vida. Fisgada por uma falsa impressão.
Parecia ruim demais para ser verdade. E era!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Deficientes

Desde criança sempre vi a deficiência da humanidade.Os brancos eram deficientes por escravizar os negros,numa deficiência de perceber o semelhante;
Alguns masculinos eram deficientes em ver o feminino e só queriam saber de sair comendo todas as mulheres do mundo,numa deficiência de fidelidade;alguns pais tinham deficiência em educar seus filhos para serem generosos; vi patroas com deficiências em tratar educadamente suas empregadas domésticas.
E fui crescendo e compreendendo que todos, sem exceção, possuíam alguma deficiência, nem que fosse em matemática. E sempre teve lá o compartimento dos “deficientes propriamente ditos”, que eram os deficientes físicos ou mentais.
Só que para mim eles eram apenas portadores de uma das deficiências, que nem era tão grave quanto as que eu considerava gravíssimas, as deficiências humanitárias: crueldade, fome, miséria, poder religioso ou econômico para subjugar — isto sim é lamentável.Sabia que a cadeira de rodas atrapalhava, que os mongolóides davam trabalho,necessitavam de cuidados especiais, mas e daí,quem não tem dificuldades ou precisa de carinho e atenção?
Portanto só mudava de endereço, até que mudou de nome no politicamente correto: eram excepcionais, viraram portadores de necessidades especiais. Mas no fundo ele sempre soube que era um excepcional: na rua apontavam o sem perna, o negro, e o apontavam porque era maricas.
Sempre me posicionei do lado deles. Era tão difícil para mim quanto para eles.E quando os heteros dizem“não quero meu filho gay porque gay sofre muito”, retruco:“E hetero não sofre?”
Ele era um deficiente, menos de pinta, brilhos e penas.
Samba para o sorriso dos portadores de Down e eles sempre dizem
que ele ê “muito divertido”. Acho que eles o acham um boneco, talvez. A cadeirante que só samba com o ombro desperta nele um remeximento de ombros que quase desestrutura seu esqueleto.A anã me apresenta seu marido com cara de safada.
Na festa deste ano da Escola,andando por entre mesas,uma velha senhora,o olhou de cima abaixo,desmunhecou menosprezando a bicha, eu me aproximei e disparei: “Tá vendo,a senhora também é deficiente, sua doença chama-se babaquice”.
Deficiente é o preconceito!