quinta-feira, 29 de abril de 2021

Sempre tive muita dificuldade de conviver com pessoas ridículas. Em regra, o ridículo não consegue se imaginar como tal e causa enorme constrangimento a todos. 

Existem pessoas que não conseguem aguentar a convivência com os ignorantes; outras com a burrice e  a prepotência. Para mim, ser ridículo é ser um pouco da fusão de todas essas “qualidades”.

Imagine que, no atual momento, o mundo inteiro está discutindo a melhor maneira de enfrentar a crise sanitária. Em todo o mundo, há uma corrente de solidariedade  com os infectados. Uma força que da quase totalidade das pessoas para o implemento das vacinas, pela queda do número de infectados, de manter um pensamento contra a dor, contra a solidão, contra o desespero da doença.

Consigo entender a emoção de quem conseguiu se vacinar. Principalmente num país onde o presidente da República optou por não comprar a vacina e investir na morte, por desprezar a Ciência.

Pensamentos contraditórios ficam cada vez mais evidenciados: temos os que lutam pela vida, respeitam as normas de prevenção  e os negacionistas, que pregam a morte, ao sadismo. Contra os fascistas, que desconhecem a empatia e a solidariedade, vou (vamos?) aos poucos me posicionando e cortando as relações, mostrando meu desprezo. A postura de enfrentamento das atitudes canalhas faz de mim (nós?) pessoas com maior comprometimento à dor, seja nossa ou do próximo.

Surge aquele que não tem noção do ridículo, o luxo é conseguir ser imunizado, pois o descaso criminoso do presidente da República faz com que faltem vacina, oxigênio e insumos. Onde a política assassina optou, numa decisão medíocre e criminosa, por não permitir a compra dos imunizantes, pelo que se sabe até agora, por ordem do irresponsável que ocupa a cadeira de presidente, o governo deixou de comprar, várias vezes, lotes de milhões de doses que foram oferecidas pelas empresas.

O enredo, se levado a sério, terminará com a destituição e prisão dos responsáveis.

No meio de todo esse inferno, um general da ativa, ministro da Casa Civil, numa reunião do Conselho da Saúde Suplementar, sem saber que estava sendo gravado, confessa para diversas autoridades que tomou a vacina escondido do presidente da República.

É ridículo! É triste! É a cara desse governo. Um general com medo de um capitão se escondendo de um gesto que deveria servir como exemplo. Não é o ridículo que me (nos?) deprime, é o simbolismo desse gesto. Um governo de pessoas que não se dão ao respeito. De adultos que precisam se esconder como crianças. Que deveriam dar o exemplo, talvez um dos poucos gestos dignos desse governo que cultua a morte: o ato de vacinar. Ao invés de exaltarem a imunização, que significa vida, têm que se esconder, envergonhados, pois senão contrariam o chefe.

Um gesto que representa a dimensão do fracasso humano do governo, do pântano moral no combate ao vírus. Representa a medida do comprometimento dos membros do alto escalão com uma política de combate à crise sanitária, do grau de preocupação  com os mais 400 mil mortos que não conseguiram ser vacinados. O exemplo de um governo que não se assume. Uma tristeza ver o compromisso dos responsáveis pelo enfrentamento da tragédia que se abate sobre nós.

Cada gesto covarde de não confrontar significa um apoio à política negacionista. Cada omissão, um número maior de vítimas. Vítimas da falta de solidariedade, de atitude, de gestos inequívocos. A falta de ar que tira a capacidade de resistir de quem não teve a oportunidade de vacinar e busca, desesperadamente, acesso aos hospitais, ao oxigênio é, também, fruto da falta de coragem e de vergonha de quem não tem, sequer, noção do ridículo.

Nesses tempos a poesia, nos da outra hipótese de sermos ridículos no poema: Todas as poesias de amor são ridículas. Não seriam poesias de amor se não fossem ridículas...

Mas, eu passei a acreditar que só as criaturas que nunca escreveram poesias de amor, é que são ridículas.

DEIXA O BEIJA FLOR DESCANSAR

 


Agora, 

É hora da gente esquecer

Que o tempo 

E o vento não vão parar de bater.

Deixa

A geleira cair,

E o beija-flor descansar.

O novo 

Agora virá, 

Escute o som do mar.

Ingenuidade é só ser feliz.

Em um mundo onde estamos só com a nossa sorte.

É preciso descontrair, 

E ver a maré.

É preciso amar,

Pra ser feliz também.

A maré traz, 

O que é de bom,

Ou o que é ruim.

Seguir o fluxo, 

Do rio é o mais importante.

Idiotas, imbecis e escrotos vestem farda!

 


O General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, foi delatado num áudio vazado onde confessa que tomou a vacina “escondido”.

Após revelar seu segredo, o ministro afirmou que está tentando convencer o presidente a se vacinar também, porque “não podemos perdê-lo para o vírus”.

O presidente, o idiota de sempre, fez questão de responder indiretamente ao general, em sua entrevista diária no curral, afirmando que será o último a ser vacinado, porque precisa “dar exemplo”.  

Os três parágrafos anteriores, são um bom exemplo de como o atual governo dilacerou a ética, e inverteu todos o valores sociais e morais desse país. Estamos vivendo de cabeça para baixo. 

O ministro Luiz Eduardo Ramos é um General de quatro estrelas. 

Acumula mais de quarenta anos de farda. 

Ao contrário da imprensa que o criticou, quando li sobre sua aventura, senti uma enorme pena. 

Deve ser humilhante para um General de quatro estrelas, doutor em ciências militares, de 63 anos, ter que se esconder para tomar uma vacina durante a maior crise sanitária da história do país?

Mas o mais triste foi sua justificativa, ainda no mesmo áudio. 

Explicou que tomou a dita cuja porque “ainda tem sonhos”; porque “tem uma mulher linda”; porque “tem duas filhas e três netos”. 

Será que é triste tudo isso?

Esse áudio prova que o sujeito SABE o crime que seu chefe está cometendo diariamente. 

SABE que ele mesmo é cúmplice de um assassinato em massa que mata 20 mil brasileiros por semana. 

SABE que é ministro de um homem que nega sistematicamente os riscos dessa doença maldita; que minimiza suas consequências; que reduz sua gravidade e desestimula as medidas profiláticas. 

O General sabe que é o braço direito de um genocida. 

Mesmo assim, coitado, quer viver para ver seus netos crescerem e envelhecer ao lado de sua linda mulher. 

Por isso se humilhou e tomou a vacina escondido como um moleque que mata uma aula. 

Pobre General de merda!

Pobre coitado, depois de quarenta anos no Exército, depois de escolher defender o país como profissão, ter que se prestar a este papel.

Por que, então, continua no governo?

Quem sabe tenha tamanha honra este General que, exatamente por ser um militar de carreira, atendeu ao chamado da pátria. 

Ou, quem sabe, é apenas um generalzinho cagão, um bosta que não presta para nada. 

Um puxa-saco e carreirista, chupando as meias de Bolsonaro que “não podemos perder”. 

Se é verdade a minha análise romântica, ou essa última mais mundana, o fato inegável é que o General se preocupa com a saúde do presidente, mas não fala dos 400 mil brasileiros que foram perdidos. Que 400 mil famílias também não podiam ter perdido os seus para o vírus. Homens que deixaram suas “mulheres lindas”. Filhas e netos que se foram. 

Mas para o General o que importa é sobreviver e cuidar da saúde do seu chefe, o Capitão que foi expulso do Exército. 

Estamos de cabeça para baixo?

Aí chegamos à entrevista do imbecil que nos governa. 

Para sua claque, dá um puxão de orelhas no  moleque General, para concluir a humilhação pública do Ramos. 

Diz o presidente que será o último a ser vacinado, porque é o líder. 

Diz que no quartel seria o último a comer. 

Diz que assim será, porque precisa dar o exemplo. 

Canalha. 

Para ele, dar exemplo é ficar por último, ao contrário de todos os Chefes de Estado do mundo, que tomaram a vacina primeiro exatamente para mostrar sua importância. 

Um crápula que vive de manipular gente ignorante. 

Se vitimiza afirmando que será o último a ser vacinado, porque é assim que os líderes devem fazer. 

Toma mais essa General Ramos. 

Bolsonaro SABE que está falando para ignorantes. 

SABE que boa parte de seus eleitores vão achar lindo seu suposto sacrifício de não se vacinar até que o último brasileiro tenha sido vacinado. 

SABE que 20 mil continuarão morrendo todas as semanas. 

Mais um dia. Mais uma desesperança. 

Mais um capítulo de um governo que a revista Nature caracterizou como responsável por uma “crise épica na saúde pública” e que cujo gerenciamento da pandemia foi um “desastre completo”.




Idiotas, imbecis, escrotos vestem farda!

terça-feira, 27 de abril de 2021

O Despertar do Coma!

 


- Adamastor, meu querido. É um milagre! Você está bem, graças a Deus!

- Madalena, o que aconteceu?

- Você não se lembra de nada, Adamastor?

- A última coisa de que me lembro foi ter votado no segundo turno da eleição.

- Isso. Nós sofremos um acidente na volta pra casa, Adamastor. Você estava em coma há dois anos e meio.

- Não é possível.

- Sim, meu amor. Mas eu sabia que você iria acordar, mais cedo ou mais tarde.

- Madalena, quanta coisa eu devo ter perdido. Me conta tudo. Onde está o Júnior?

- Tá em casa. Ele vem aqui depois. Você ainda não pode se emocionar demais.

- E meus pais? E a empresa?

- Enfermeira, será que não tá na hora de dar um calmante pra ele?

- Não quero calmante nenhum. Me fala, pelo amor de Deus!

- Tá tudo certo. Com seus pais, a empresa, com tudo. Juro.

- Ah, que bom.

- Agora descansa, tá?

- Madalena, só me responde uma coisa. O mito ganhou a eleição, não ganhou?


- ...


- Que olhar é esse, Madalena? Não me diga que foi o Haddad.

- Não é isso, é que...

- Ah, não é possível. O país deve estar um caos. Quanto está o dólar?

- Quase seis reais, mas...

- Eu sabia. Eu avisei. São ladrões e incompetentes. Sempre foram.

- Adamastor, na verdade o...

- Aposto que o Centrão controla o governo, né?

- Sim, acontece que...

- Tá vendo? Bolsonaro ia acabar com tudo isso. Com certeza a eleição foi fraudada. Eu avisei sobre as urnas eletrônicas.

- Você precisa se acalmar...

- Acalmar? Como? Quero saber de tudo. Como ficou o último PIB?

- Recessão de 4%, mas você tem que entend...

- Pior que a Dilma? Estamos no fundo do fundo do poço.

- Enfermeira, o calmante, por favor.

- Conheço a corja. A tendência é piorar.

- É o que parece, infelizmente. Mas voc...

- Não mente pra mim, Madalena. A essa altura o Lula tá livre e o Moro virou bandido, não é?

- Como você sabe?

- Jesus! Agora é que essa gente não sai do poder nunca mais. A corrupção venceu.

- Adamastor, se acalme...

- E o Bolsonaro nisso tudo, Madalena? Ele está liderando a oposição, não está? Me diga que ele está lutando por nós.

- Enfermeira, o calmante!

domingo, 25 de abril de 2021

E L A

 


É que ela é 

                 perdida em passos

nas passadas da vida


Mergulhos em

                 espaços meigos

partidas...


E o amor

                que se vai

leva em pedaços de tempo

                fotografando em lembranças

                alguns anseios perdidos


projetos solitários,   

               desbotados


E ficam as noites

amigas

            de solidão colorida

afago do tempo


quinta-feira, 22 de abril de 2021

É O QUE QUERO DIZER .

 


Sendo assim

defendo o lado que não gosto

e ataco o lado que amo

grito no silêncio para que nem eu escute

me cubro de vaidade e malícia

ignoro o que eu não quero ouvir

e fico remoendo minhas bobagens.


Assim sendo

é como sou

às vezes e permanente

delicado como rocha

uma raiva nova a cada mesmo impulso

inconstância de ânimos

ora granizo

ora magma.


Sei que assim

eu nem ganho e perco

fico estagnado

inerte em tua compreensão

me sinto mal por ser tolo

e fico bem por ser eu.


Assim eu sei

sei tanto

sei nada

mas continuo

até que eu saiba merecer

tudo teu

inclusive você.  



(Eu queria nessa noite, é pessoalmente te dizer isso)

A Farsa !!



A trama criminosa feita pela República de Curitiba mudou a história recente do Brasil. Esse governo genocida, que hoje pratica  culto à morte, cujo Presidente foi denuncuiado criminalmente por ser responsável pela morte de milhares de brasileiros, foi eleito tendo como principais responsaveis os integrantes do grupo. O chefe deles, o ex-juiz, chegou a ser Ministro da Justiça desse governo assassino, tendo saído somente por causa de uma briga de quadrilha. E quando olhamos a catástrofe no trato da crise sanitária, quando contamos os quase 400 mil mortos, quando sentimos raiva e vergonha do desprezo desse governo fascista pela nossa dor, quando a falta de oxigênio deixar faltar ar nos pulmões de pessoas que amamos, quando a solidão, a única companheira para a pessoa sozinha nas UTIs, for também nossa companheira nas noites de insônias, não podemos ter dúvida de olhar para os que, inescrupulosamente, foram e ainda são os grandes responsáveis pela tragédia que se abate sobre nós. A nuvem densa de fumaça, que nos oprime e que vem da falta de transparência da união macabra que levou esse grupo à presidência, é alimentada pelo gás tóxico que exala do que existe de mais podre na sociedade e que não se furtou de corromper o sistema de justiça para assumir o poder. É hora de nos devolverem a dignidade . Como já disse o poeta  Torquato Neto, no Poema do Aviso Final: “É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadadas.”

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Em que espelho ficou perdida a minha face?

 




É difícil viver onde a maioria escolheu eleger um fascista, que tem orgulho de ser o que é, para a Presidência; que durante sua vida, e  em campanha cultuou o terror,  fez apologia à tortura e aos torturadores, ridicularizou as minorias, praticou o racismo, ao falar dos quilombolas,  humilhou as mulheres, enfim, em ser  desprezível.


Mas ele nunca mentiu. Desprovido de inteligência, sem preocupação cultural,  suas manifestações sobre Cultura são constrangedoras. Ridicularizou os outros, tripudiou com a honra e a inteligência alheias, é o que da a definição de sua força política. Prega, por um país racista, segregador, machista, misógino, em boa parte, com a cara dele. O que já era um desastre, virou uma  catástrofe. Esse inepto, irresponsável, ignorante enfrenta hoje a maior crise sanitária de todos os tempos com a pandemia do coronavírus, ocupando a cadeira de presidente da República. Uma tragédia.

 

Humilhou parte da população que mais sofre com a tragédia, o negro, o pobre, que não consegue ter assistência médica.


Recorro-me Cecília Meireles:


“Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face?”

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Me tornaram Cristão fóbico!

 


(...e as horas se arrastam

desde que acordou o dia


uma criança chora faminta

esperando o meio-dia) 

Anônimo. 


Me tornaram Cristãofobico!



...e o relógio parece que para

são dez para o meio-dia


a fome eterniza-se aguda

nas barrigas da agonia


a criança chora enfraquecida

a mãe olha a panela vazia


o tempo não passa nunca

não chega o meio-dia


a fome devora fazendo eco

peristáltica melodia


a mãe procura em vão

o pai de sua cria


o menino não resiste

são dez para o meio-dia 


a mãe derrama lágrimas

sobre o manto que encardia


jesus chora no céu

as dores que o homem cria


o pão que ele repartiu

não chega a quem devia


e no seu divino relógio

são dez para o meio-dia


em um leito sub humano

mais uma criança  que morria

domingo, 11 de abril de 2021

O dia

 


Sempre começo assim
uma leitura
seja ela qual for
nada de vida dura
sem grande esforço
algo que me cause torpor,
uma xícara de café
uma corrente na perna
a âncora é meu pé,
um abuso que não me deixa
mas não é queixa e,
no desenrolar do dia
qualquer coisa que me conforte
remete alegria,
andar de chinelo com calça larga
música é bom para o ouvido,
nem faço a barba,
viver nesse mundo de fantasia
e me faz ser como sou
o de costume
o de nem tanto
falar logo contigo
ficar no meu canto
respirar meu novo ar
o desando,
até que apareça alguma coisa
e me tire daqui
daí invento uma desculpa
e volto pra ti,
seguir seguindo
levar levando e sendo levado
a arte de saber amar
a vida nova com quem estar selado,
já passam das duas
e só vou dormir às quatro
um velho preguiçoso desperdiçado,
deitar pensando no outro dia
vai ser diferente
e do mesmo modo
continua a sintonia,
que venha o próximo
depois e depois
como tu afirma inefável
entre a boa noite e o bom dia
fazer encontro de dois.

Venha dormir, já é noite

 


Pela vagarosidade dos passos, já sei que é ela. A  sonoridade do tempo. Sem solavancos. O piso da nossa casa está acostumado com a ausência da velocidade, conquistada com o passar dos anos. Os altos sapatos já não guardam os seus pés. Ela prefere o conforto ao desfile. Embora desfile, dentro de mim, sem pausas.

São 30 anos juntos. Tenho 91 recém completados em março último, ela 76.  Inês ouve pouco e, então, grita quando quer dizer. Eu me perco nos esquecimentos. Tenho a memória dos ontens. Quanto mais distante o tempo, mais eu sei contar. Ontem, a Elaine veio nos visitar. E eu me vi perdido. Cada vez que falava um pedaço da vida, um pedaço da vida escapulia da minha lembrança. E, então, Inês, com as suas mãos desenhadas de tempo, apertava as minhas e perguntava: "Dirceu, meu amor, do que você quer se lembrar?".

Inês se oferece generosa para ser minha memória. Não lembro bem o que Elaine queria. Parece que brigaram. Ela e o marido, cujo nome me foge agora. Os olhos marejados explicavam a dor. É difícil deixar de estar.
Inês fala alto tentando ouvir a dor de Elaine. É atenciosa. Sabe que ouvir é uma das mais belas expressões de amor. Amor que, por pouco, não se perdeu no barulho das escolhas não pensadas.

Eu penso nos dias em que a porta se abriu e quase saímos. Ou ela ou eu. E que ventos de quentura nos convidaram.  E, então, quando olhei no triste olhar de Inês, chorei a dor que causei.

Ela disse nada. Sofrendo por dentro, descascava o necessário para preparar um prato de sopa quente. Eu, arrependido, desembrulhava as palavras para entregar o meu pedido de perdão. Ela ouviu. Olhou para fora do que doía e terminou o cozimento.

Sentamos nós dois e a noite. E bebemos a esperança de espantar a machucadura. Outra vez, foi ela. Em um cansaço, quis deixar o que tinha. Teve jeito de pensar e, então, permaneceu. Ela nunca disse o que havia lá fora, e eu disse a mim mesmo que não era necessário eu perguntar.

Quando hoje nos sentamos, lado a lado, de mãos dadas, depois de 30 anos de amor, eu agradeço as limpezas que fizemos juntos e o gosto bom da permanência.

Ontem, antes da chegada de Elaine, ela arrumava os cabelos e perfumava o dia cantando alto uma música. Não me lembro de qual. Só me lembro que gostei. Sempre gosto. Ela enfeita a minha vida, estando.

Já passei dos 90. Desisti de pensar no dia em que um ou outro vai partir. Prefiro que seja eu. As mulheres costumam viver mais. Prefiro que seja eu a preparar a casa nova em que continuaremos. Porque disso tenho certeza, continuaremos...

Ia me esquecendo de contar um pedaço de ontem. Elaine já estava pronta para se despedir nas inquietudes que têm as gentes que não sabem o que fazer, inda mais se tratando de paixão, quando Inês pediu a dona Elza, que conosco trabalha há muito, que cozinhasse um jantar. Elaine dizia que estava em dúvida entre permanecer ou tentar esquecer. Não entendi muito bem. Presumo que nem Inês. Só ouvi seu conselho em alto e bom som: "Não decida nada antes de um bom prato de sopa quente".

O tempo vai escapulindo e a vida vai se repetindo. Que bom que a porta da casa está bem fechada e que, nos cômodos de dentro de mim, só há espaço para Inês.
"Dirceu", diz ela nos gritos de amor, "Venha dormir, já é noite".

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Mas não é mesmo!!

 



E foi preciso uma eleição e uma pandemia para que eu percebesse que a própria religião, obviamente, não tem culpa do reacionarismo de boa parte dos seus adeptos, bem como da falta de discernimento político, da pouca afeição por leituras profanas (qualquer leitura não religiosa) - deixando a inteligência acorrentar-se tão somente à literatura dogmáticas e às edições do Jornal Nacional -, do apego exacerbado aos preconceitos da  classe social que alicerça o Brasil:  a classe média, que é "uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante", como já disse Marilene Chauí.

Uma parte assustadoramente considerável dos religiosos votou no verme fascista e, continuam a apoiá-lo. Foi preciso uma eleição e uma pandemia pra descobrir que uma parcela considerável de religiosos adoram fazer caridade, mas detestam justiça social. Foi preciso uma eleição e uma pandemia pra descobrir que relugiosos adoram montar cestas básica pra pobres, mas odeiam o bolsa-família. Além disso, não a oferta em silêncio, junto com um sorriso. É preciso fazê-los escutar toda sorte de preleção, com a desculpa infeliz de que Jesus também pregou antes de ofertar o pão e o peixe multiplicados. Quem tem fome, não quer escutar nada, não. Só quer ir pra casa com a cesta básica pra preparar o almoço da família, sentindo-se o menos humilhado possível, levando pra casa a cesta e o sorriso. Mais nada. A cesta básica dispensa, entre os seus itens, o tempero do proselitismo.

Acolhimento? 

Quantos pobres há nos templos frequentando, estudando,  e trabalhando? 

Não precisa responder, não. Foi uma pergunta retórica.

 Acolhimento mesmo, o pobre encontra, quase sempre, dentro das religiões salvacionistas ligadas ao protestantismo verdadeiramente cristão, lá ele se sente igual, lá ele tem uma função de peso para o grupo. Lá ele se sente importante, endomingado na sua melhor roupinha, recepcionando os que adentram ao templo, ou auxiliando na organização dos cultos.

Acolhimento mesmo, o pobre encontra, quase sempre, dentro da fé umbandista. Lá ele não é apenas um assistido, lá ele se vê nos seus pares; lá ele desempenha também uma função importante qualquer  para todo o grupo; lá lhe ofertam um atabaque -  Não é à toa que um padre meu amigo, disse ter visto mais amor nas centros do que nos templos -, lá ele é preto velho, lá ele é Pai Joaquim, ou outro preto velho qualquer,  tendo por trás e a seu serviço toda uma falange  de espíritos. Espíritos não têm religião. Vão para onde clamam o amor  e a dor.

Foi preciso uma eleição e uma pandemia pra que eu descobrisse o que talvez, sempre soubesse,  mas não  quisesse enxergar.

Católico,  jamais deixarei de ser, porque esta fé, contenta a minha inteligência, ainda que parca e claudicante. Só não sei ainda se quero voltar a  conviver com alguns Católicos debaixo  do mesmo teto religioso. Creio que o confinamento tem me trazido mais paz, do que trará uma possível convivência futura, em que em cada troca de olhar, uma voz interior, vinda lá das profundezas de minha alma, sussurrará baixinho de mim para mim:

"Eu sei em quem você votou na eleição passada."

"Foi seu voto que levou dor e luto a milhares de brasileiros."

"Foi seu voto que trouxe de volta a fome pro meu país".

Entre "a mansidão das pombas e a prudência das serpentes",  no momento atual, estou preferindo a prudência das serpentes, pedindo a Deus que a mansidão volte, um dia, ao meu coração lamentavelmente triste, "triste de não ter mais jeito", por essa tão triste constatação.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

A flor do sinal

 


O que é ser mãe?

É ser tudo.
Poesia de nascer
no presente do absurdo.
É o maior mundo
e todas as suas possibilidades
de fazer o melhor.

É sentir-se o pó
num dia cansativo de um filho febril.
É ser mil
mesmo que seja pouco.
Porque até para cada louco
existiu um útero puro.

Ser mãe
é colher maduro
antes da semente.
Divindade que não sente
dor
nem frio.

Eu me arrepio
quando penso na minha mãe.

Quer entender o que significa força?
Observe uma criança comer
enquanto a mãe sente fome.
Ter uma mãe é ter um nome
na eternidade de todo paraíso.

E para todo riso
existe uma mesa farta
num almoço de domingo.

E para cada barriga cheia
existe uma lágrima de alegria
num travesseiro tranquilo.

Ser isso e aquilo
e cuidar em ter cuidado.

Curar enquanto a vida durar.

Ser mãe é um viver laborioso
num laboratório desértico.
Antes do pai
a mãe é o lógico
além do ético.
E todo parir é uma oração.

Ser mãe
e sermão
verbo estar sem estação
de um estado longe.

Toda mãe é um monge
que não precisa meditar.
Hoje me sobra palavra
mas me falta o ar.

Hoje me sinto alguém.
Amor de mãe.
Amém.

Amei
e sou amado.

("Vocês, mães, são os meus amores!" E só esta frase já seria o meu melhor poema...)

É assim o teu nascer

 


Onde estou
pouco me interessa.
Não tenho pressa.
Mas tenho prosa.
Carrego tua saudade sempre
e hoje roubei pra ti uma rosa
dos jardins do uni-verso, ou prosa.

Sou um morador das janelas
que te desenha na madrugada.
Agora eu tenho tudo
muito depois do antes
de ter nada.

Poemo teus sorrisos infinitos
no nosso silêncio falante
tão nosso.

Você pode e eu posso
alcançar o pra sempre.

Pra sempre.
Sem parar.

Eu consigo te olhar
sem esquecer
que posso conseguir
e vou seguir
cada amanhecer
do que você olha.

Esqueça do mundo.
O cego ficou surdo
de tanto não saber lembrar.

Procurar
a mesma pergunta
é encontrar a mesma resposta.
Encosta
teu olhar no meu horizonte,
minha parte que é um todo,
meu parto de escrita,
minha ponte:
Com quem estou
é que importa.
O fato, o feto e a fonte.
Aorta
minha
no teu peito.

Não tem outro jeito.
Nosso amor tem feito
uma vida bem melhor,

Prá nós.