quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

D E S I S T I N D O

Sentou naquela escada de madeira que fica em frente ao mar só para torturar-se com a areia entrando nos olhos. Mergulhado em sua própria nuvem de fumaça, pensou em desistir de tudo. Tudo mesmo. Até agora suas insistências só aprofundaram os cortes.
Entorpecido pelas ilusões da vida, caiu inúmeras vezes em teias invisíveis. Apoiou-se em pernas bambas. Tentou, a todo custo, livrar-se das amarras. Enroscou-se ainda mais.
Tragou profundamente as lembranças mais amargas e soprou devagar. Uma por uma.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

C H I F R E S

Como nenhum ser humano saiu de dentro da toca da cobra com chifres que abriu o desfile da Beija-Flor, transformando a comissão de frente em alegoria que anda sozinha, comecei a pensar nos... chifres.

Olhei pro abre-alas e vi caveira gigantesca e horrenda, de cujo crânio pulava um chifre. Surgiramos navios negreiros, cujo mar era sequência de chifres. Veio um bando de boi bumbá, estes, sem culpa nenhuma, cada um com dois chifres. E vieram se aproximando os peixes...com chifre.Na hora do cardume chifrudo,eu achei que o enredo era uma sacada bacana sobre um Maranhão belzebu,que deveria ser coroada com um Zé Sarney de chifres,pontiagudos, talvez luminosos,a imagem que todo o Brasil tem dele, exceto oMaranhão (exceto?).

Seria versão maligna das terras encantadas,cravejada de cornos,perfeita visão alegórica do mal, lugar onde estes senhores que infestam o noticiário político cabem muito bem.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Des)Medidas

Eu volto logo. Espere por mim, que eu volto. Só vou até ali na cozinha, pegar um copo d’água, pra minha garganta não secar de espanto.
Desculpe se demoro, é que na cozinha eu aprendo um punhado de coisas. Devo experimentar para não me faltar tempero. Para não nos faltar tempero. Para não nos faltar coisa alguma. Unto, para não grudar enquanto você cresce. Não economizo, para que renda mais do que o suficiente. Exercito minha paciência, para que as coisas não desandem. E até coloco uma colher de açúcar, só para quebrar a acidez.
Eu tenho cuidado para não passar do ponto, mas erro. Quem sabe, se a gente tirar os pedaços queimados, ainda reste alguma coisa?


* Sei que a tua medida é diferente da minha, mas se der para dois, eu aceito.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Coluna da Pilastra

Sempre que a porta do elevador se abre eu me assusto
porque vejo um andar inteiro,um grande vão, sem nenhuma pilastra.
Fundamental elemento de sustentação tão martirizado por ser
feio, estar sempre no meio do caminho,atrapalhando a
vista.Sem ela, só com poderoso concreto da arquitetura de Neimeyer
para sustentar o vazio.
Temos que minimizar sua interferência, aprender a conviver com elas: eu vejo o vão sem elas, eu imagino o todo subtraindo aquele trambolho.
Sempre percebi que tenho que ter pilastras na alma, para continuar de pé. E me fiz prédio, conhecedor de minhas pilastras-morais,meu código de ética,minhas crenças,meu respeito pelo que me edifica.E cinqüentão agradeço a cada pilastra que não arranquei, que brecou o meu caminho em linha reta,me fazendo ponderar questões que me desestruturariam ou me colocariam em risco.
Recusei as drogas nas festas pelo fato de já conhecer de perto a minha pilastra da loucura.
Mas conheço o torpor do álcool, pois minha pilastra pinguça é fortíssima.Jogo de estica e puxa,de conceder e negar, tudo diante da extraordinária existência da moralidade, no meu caso muito individual, pois recuso as artificiais pilastras que o senso-comum ou a religião querem fincar em mim, mas sei que só sobrevivo se tiver minhas pilastras pessoais. Elas atrapalham porque freiam,mas nos tornam civilizados.Desejo boa sorte aos que sobrevivem e são felizes sem pilastras,mas preciso escutar minha voz da consciência para sair vivendo.Carrego minha história e minhas crenças na engenharia do coração,convivo com minha “empena-cega”que é aquele lado de mim onde estão fantasmas que de vez em quando vêm me visitar. Estão lá,e não posso arrombar janelas e paredes para destruí-los, isto comprometeria a estrutura.
Claro que tem a negociação possível de arrancar uma coluna desnecessária construindo uma poderosa cinta de concreto entre duas outras: é quando concluímos que temos que abandonar um preconceito.