Se quisesse eu podia ´tá gargalhando
exultante tem dias já
que não chove cinza nem desaba calor demais desse céu de fumaça.
Se quisesse eu podia ignorar meus pudores de ser feliz.
Mas eu sei ser feliz?
Não sei.
Digo, não é que eu não saiba, é só que não sei se sei, e nem vou perguntar mais depois dessa última vez.
Olha
Ela levanta o vestido que é mais uma nuvem cinza do que um vestido, ela levanta a nuvem e mostra os tornozelos avariados.
Eu tô satisfeita, pode apostar, eu tô muitíssimo satisfeita
em poder caminhar pelas ruas sem perder o equilíbrio.
Eu tô quem sabe
até agradecida ao universo, vai saber,
por ter ossos, músculos
colágeno, nervos, tendões, gengiva
e esses órgãos.
Quase bem protegidos, e embora eu não seja nenhum Einstein, esse cérebro, meu é aventureiro, é ter
esse cérebro que me ajuda a sentir melhor
e mais profundo.
Esse objeto é uma edição de A Origem das espécies, do Darwin.
É o meu coração,
no mês que vem não sei o que será dele, digo do coração
não da teoria.
Nesse mês, enquanto leio, esse coração, esse meu cérebro está sentimentalóide,
o livro não é sentimentalóide,
objetos não são sentimentalóides,
teorias não deveriam ser sentimentalóides,
o meu cérebro, no entanto o meu cérebro é sentimentalóide.
Mas, por sua vez, meu coração é um trabalhador braçal e de fato exige força, exige braço, e a leitura de um coração como esse.
Não pense que peguei essas palavras ao acaso,
(o livro de Darwin)
esse objeto grosso
repleto de magia
pesado de genialidade, não pense que fiz isso, de pegá-lo só pra fazer uma cena, mostrar que leio, sei que é necessário leituras.
Um livro grosso
caudaloso, místico, não eu de fato
estou falando desse coração chamado
A Origem das Espécies, esse irmãozinho mais novo da Bíblia
Meu cérebro
é sentimentalóide
meu coração,
um trabalhador braçal.
Isso eu já disse, mas
eu não disse que
sendo meu cérebro um bobão-babão
e meu coração um estivador, com os dois um de bem com o outro, eu posso filosofar, posso até fingir ser poeta,
posso gritar vivas para o corpo, já que o corpo é um brinquedo e tanto. (Poeta é um fingidor, finge que é dor, a dor que finge que sente)
O corpo é um brinquedo e tanto,
isso eu descobri
com meu primeiro namoro, Darwin,
com ela eu tinha uma fábrica de suco de saliva, era só juntar língua com língua
e a gente tinha que engarrafar e comercializar o suco.
ai ai
ai ai ai
Se quisesse eu podia mesmo está gargalhando.
Vou fazer uma lista de males que eu não tenho e de sortes que eu tenho, sei lá, vai saber.
Lista de coisa nenhuma vou fazer.
É o momento para uma longa pausa.
Uma lista de coisa nenhuma vou fazer, mas por causa de tudo que eu disse, acho que é necessário que eu diga que não sofro de diabetes.
Ela fala isso sofrendo, enquanto começa a tentá deitar.
Não sofro de diabetes,
não sofro de dia
não sofro de
não sofro
não
sofro
Ela tenta, mas não consegue deitar. Mas uma vez ela não consegue deitar. Ela já está chorando.
Talvez seja por isso
que nesse momento eu esteja tendo esse
surto de algodão doce!