domingo, 21 de abril de 2013

E N T R E V I S T A

Um dos líderes da guerrilha urbana, o jornalista Cid Benjamin está  lançando o livro ‘Gracias a la Vida’. Ele diz que se pudesse voltar no tempo faria tudo de novo, mas de outra forma.




Por que lançar um livro só agora, tanto tempo depois da prisão?

CID: As pessoas me cobram este livro há muito tempo por uma série de motivos. E eu adiava porque não queria fazer só um relato, mas uma espécie de reflexão sobre uma série de questões. E como eu não tinha tempo nem pressa e não me sentia em condições de fazer como eu queria, o livro está saindo só agora.

Da maioria dos ex-companheiros, pelo menos os mais conhecidos, como o Fernando Gabeira e o (ex-ministro) Franklin Martins, você é um dos poucos que se mantêm em defesa do socialismo.

Mudei algumas concepções, mas no essencial eu continuo no mesmo lado onde estava. Hoje, dou um peso maior à democracia, até porque acho que ela não enfraquece o socialismo. Muito pelo contrário. Ela valoriza e enriquece a proposta socialista.

Qual foi seu principal aprendizado?

Não foi político, mas de vida. Várias vezes me vi sem nada. Levei uma vida muito espartana na clandestinidade. Fiquei preso sem roupa nenhuma. Perdi tudo várias vezes. Quando estava exilado no Chile, tive de sair do país com a roupa do corpo às vésperas do golpe contra o presidente Salvador Allende com minha mulher e minha filha recém-nascida. Tudo isso me fez aprender que, se você tem saúde e disposição, todo o restante é perfeitamente possível de ser feito.

E politicamente?

Tenho muito orgulho da minha trajetória. Apesar dos nossos erros políticos, sou de uma geração que em condições muito adversas lutou, arriscou a vida por uma sociedade melhor para todos. Isso é motivo de muito orgulho e acho que tem de ser valorizado.

E o grande erro?

Acho que a luta armada foi um erro. Não em tese, pois reafirmo a legitimidade de você pegar em armas contra um regime opressor e ilegítimo. Isso é reconhecido até pela ONU. Minha reflexão é em relação à eficácia da ação. Não tinha condição de vingar. Foi um erro político pelo qual pagamos caro. Mas falar agora é fácil. Após 1964, com a Revolução Cubana, com os EUA perdendo a Guerra no Vietnã, havia elementos fortes para que as pessoas se atraíssem e acreditassem no sucesso da luta armada. Então, não há arrependimento, mas a reflexão de que foi um erro. Costumo dizer que se pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo, mas de uma outra forma para que o objetivo fosse atingido.

Na volta ao Brasil, você fundou o PT com outros ex-companheiros. Mas hoje o partido é bem diferente.

O PT deixou de ser um partido de transformação social, o que não quer dizer que seus integrantes, pelo menos a maioria, não têm mais essa perspectiva. Mas a direção do PT... o rumo que tomou não é transformador. E nem falo de transição para o socialismo, mas da dificuldade que o PT tem para tomar medidas republicanas mais radicais. Embora eu reconheça melhorias em relação aos governos anteriores, é muito pouco para o que eu queria do PT.



E o Psol?

Não acho que o Psol vá crescer, atropelar isso tudo que aí está e encampar a bandeira do socialismo. Mas é uma importante trincheira onde segue erguida a bandeira socialista. Não consigo imaginar o que seria do Congresso sem os nossos quatro parlamentares (senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, os deputados Chico Alencar e Jean Wyllys, do Rio, e Ivan Valente, de São Paulo). Eles cumprem um papel importantíssimo, são os melhores parlamentares do país e não seriam se estivessem no PT. Ficariam amordaçados.

Você é daqueles que consideram que o grande legado do PT, além do Bolsa Família, será a despolitização da sociedade após os escândalos de corrupção?

É um exagero afirmar isso. Contribuiu bastante para a desilusão. Despolitização? Penso que sim. Mas o Bolsa Família melhorou a situação de milhões de pessoas. Só que representa apenas 1/5 do lucro dos bancos. E se você quer pensar em transformação social, é preciso pensar em emprego digno e estável. A assistência social tem que ser feita muitas vezes porque há miséria, mas é preciso ter a porta de saída para não ficar vivendo eternamente da caridade do Estado.

O Bolsa Família se tornou o que há algumas décadas era um saco de cimento e um caminhão de tijolos, ou seja, é um cabresto eleitoral do século 21?

Não quero dar uma impressão pejorativa do Bolsa Família. Ele beneficia não apenas o núcleo familiar, mas faz o dinheiro circular nas cidades do interior do Nordeste, por exemplo. O padeiro vende mais pão, o comércio vende mais roupa e isso é bom. Mas é emergencial. Cada vez que se anuncia o número maior de beneficiados vejo um lado ruim. O ideal seria este número diminuir, que o governo dissesse que dá menos Bolsa Família porque o cidadão já tem um emprego decente. Mas isso não acontece.

Apesar de ter sido fundador do PT e um dos coordenadores da campanha do Lula na histórica eleição de 1989, você diz no livro que o melhor para o país teria sido a eleição de Leonel Brizola, Por quê?

Pela educação. Acho que ela tem de ser prioridade em qualquer governo, de esquerda ou direita. Isso não tem a ver com o socialismo e não necessariamente vai ameaçar as classes dominantes. Se o PT tivesse revolucionado a educação fundamental nestes 11 anos, já teria sido um legado enorme. Mas nunca fizeram isso. Aliás, não há quem cite neste governo uma única medida que tenha contrariado o interesse das classes dominantes, dos bancos, dos empreiteiros, das multinacionais e do agronegócio.

E qual a sua avaliação do governo Dilma, outra ex-guerrilheira. Vocês se conheceram na ditadura?

Não. Ela era da base. O ex-marido, Carlos Araújo, é que era dirigente. Eu acho um governo frustrante porque não é de transformação social. Se você me perguntar se não é melhor que os do Lula, Fernando Henrique e Collor, certamente direi que é, mas não me satisfaz. Não mexe com os interesses dos ricos, não faz as reformas necessárias e constrói a governabilidade montando uma geleia de partidos que o imobiliza. São tantas concessões que não permitem as transformações, apenas permitem que o o governo não seja incomodado.

E a Comissão da Verdade, criada por ela para apurar os crimes cometidos pelo Estado na ditadura? O que pensa a respeito?

Não tenho rancor contra meus torturadores, mas um país que não conhece sua história está condenado a repetir os erros. Mandela, na África do Sul, abriu mão da punição dos torturadores desde que eles fossem a público confessar tudo o que fizeram. Foi um choque na sociedade sul-africana, mas criou anticorpos para que não aconteça de novo. Por isso, é preciso que saibamos quem foram os torturadores e os mandantes. Só lamento que esta comissão tenha vindo tão tarde. O Sarney, como cúmplice da ditadura, não poderia tê-la criado. O Collor, tampouco. Mas o Fernando Henrique e o Lula, sim, poderiam ter dado um passo importante neste direção e não fizeram.

O que chama a atenção em você é que, apesar de ter sido derrotado na luta contra a ditadura, de ter criado um partido que te causa frustração, você tem uma alegria de viver incrível.

Fiz o que achei que deveria ter feito e o fato de ter perdido batalhas não me deixou amargurado. Se eu ficar preocupado com tudo o que passei, vou ser torturado continuamente. Buda dizia que guardar rancor é como pegar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém. Quem segura o carvão é que se queima.

E o Darcy (Ribeiro) também tinha uma ótima. Ele dizia: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras e não consegui; tentei salvar os índios, não consegui; tentei fazer uma universidade séria e fracassei; tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Penso exatamente assim.