domingo, 19 de abril de 2020

TEMPO



Me ensinaram que, quando as noites estão agitadas, o melhor a fazer é se entreter com o belo. Peguei a foto e olhei por alguns minutos, fechei os olhos e permiti que a lembrança  fosse acalmando os meus barulhos.

Olhei o tempo necessário, fechei os olhos e fiquei revisitando histórias da bondade que tantas vezes li e ouvi.

Busquei no ontem a paz para abrir o dia. Meus irmãos maiores pescavam, e eu brincava de boiar, do outro lado. Havia uma prima que tinha medo da água e que me chamava para apenas ver. Deixei o prazer para cuidar dela.  As infâncias só são cruéis, quando outros decidem.

Ela tinha fome e insistiu que eu chamasse meus irmãos. Nos aproximamos. E foi aí que eu vi os peixes sendo enganados pelos anzóis e depositados em um balde com água. Vi e fiquei imaginando, primeiro, o fim da liberdade e, depois, o fim da vida. Nada mais eu via. Minha prima pensava na comida. Meus irmãos na disputa de quem pescava mais. E eu outros pensamentos e, em um ato de coragem, pois era bem menor do que eles, peguei o tal balde e devolvi os peixes à felicidade.

Corri como pude, mas meu irmão mais velho me alcançou. Guardei o choro para chorar depois. E chorei sozinho. E o choro se fez sorriso, quando ela chegou e elogiou o que fiz.

Foi assim que acalmei o meu dia, hoje. Um dos meus irmãos já vive onde um dia espero viver. Ele era bom. Meu outro irmão, já não me bate. Minha prima tem outros medos. E eu tenho a memória de tantos dias em que experimentei a dor e o amor.
Lembro que cheguei a sonhar que os outros peixes, da família dos peixes que quase partiram, festejaram a volta deles ao convívio.
Lembrei que a prima, que era  2 anos mais velha que eu, e hoje tem 3 anos menos, quando fiz 14  ou 15 anos, eramos namorados. Hoje nos reencontramos, casou, continua linda, com o mesmo jeito de passar as mãos nos cabelos, e me refletir em seus olhos
Sonho, hoje acordado, que ninguém se acostume com as crueldades. Temos a obrigação e o poder de esvaziar o que esvazia a liberdade. Não perdemos a liberdade, quando estamos em casa. Perdemos a liberdade, quando não podemos nos lembrar de  bondades. Os perversos nunca saberão o que é ser livre. 
Um dia, disse "não" a um eleito que me ofereceu um cargo. Ele e os outros se assustaram. Como alguém pode dizer "não" ao poder? Como alguém não se fascina pelo poder? Já ocupei cargos/funções sem ser remunerado, por afinidade com o que era proposto, e não me arrependo! Só sei que olhei para o futuro as exigências infundadas daquele tal e disse "não".


 Fecho os olhos e agradeço. Os choros existiram, mas não roubaram de mim quem eu sou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário