quinta-feira, 10 de setembro de 2020

ETERNIZAR O INSTANTE.

 


Chora Yolanda, amiga que redescobriu em mim alguma esperança. Diz ditos que me assustam, tamanha dor. Suas palavras desenham acontecimentos que prefiro não espalhar. O que espalho é afeto, é colo, é um bolo que preparei recheado de intenções de adoçar o amargor de seus ontens. Enquanto come, conversa ela comigo.

O ex marido de Yolanda é o seu maior calvário. Ouço o relato dos que em discordância dos sentidos,  rasuram a palavra amor. As marcas de Yolanda horrorizam a paz que cultuo. Ela se culpa pela fragilidade. É boa demais para decidir. Eu discordo.

Aprendi, desde antes, que o bem é mais forte do que o mal. E escrevi, em meus passos, que não cederia nem por medo nem por acomodação. Ainda criança conheci e convivi com uma mulher, que superou e viveu a felicidade dos dias sem nenhum "ele". 

Sim, era sobre a fragilidade do mal que eu dizia a Yolanda. Mas, para que ele se vá, é preciso que o bem ocupe as conversas, e as caminhadas. Yolanda come o bolo de cenoura com calda de chocolate. Come e mastiga com a intenção de eternizar o instante. Diz que é bom ficar comigo. Tem vontade nenhuma de voltar para casa. 

Ela espalha simplicidades dizendo que seria bom se Deus falasse. Ela ouve um piar animado do lado de fora da cozinha. E ri. Gosta do voo dos passarinhos, mas está presa.

É quase hora de o sol se despedir. E, da janela da sala, se vê o longe. E é lindo. E, de perto, ela pouco vê de esperança. Quer viver mas não sabe... Não sabe se tem pena dele ou medo da solidão. Joga palavras desconectadas dos pensamentos. Diz que é a falta de trabalho. Depois se lembra de que antes ele era, também, errado. E chora no intervalo das mordidas do doce.

Eu coloco uma música(🎼 Esto no puede ser no mas que una canción

Quisiera fuera una declaración de amor

Romantica sin reparar en formas tales...)para agradecer o sol que mesmo partindo ainda aquece. Ela engole o café e suspira de prazer. Pede para ficar um pouco mais. Eu digo que tenho pressa nenhuma. Ela diz que é bom ouvir os passarinhos. Que poderia ter sido cantora, que teve aulas de música. Que poderia ter escolhido uma profissão que viajasse sempre. Eu digo que não há nada melhor do que o ninho da gente. Ela diz nada. E ensaia concordar.

Não posso decidir por ela. Não moro dentro dela. Só posso apresentar o que conheço para que ela se interesse por outro canto. No canto em que moro, moram o aconchego e a decisão de abraçar o bem como lei inscrita em mim e algumas feitas por mim mesmo. 

É o que me faz forte para combater qualquer desavisado que se ache no direito de sujar, de enfeiar os meus dias.

Acabo de decidir que vou cozinhar um bolo por dia até que Yolanda se fortaleça. Vou misturar o doce que se come com o doce que se sente, quando se sente amado. Vou caminhar com delicadeza pelas suas interrogações e ajuda-la a exclamar a força da sua liberdade. E vamos juntos com o que ela não desistirá. Enquanto penso, ela sorri como se lesse em mim os dias bons que virão. E dizemos nada depois da decisão.


Amanhã,  se não houver riscos, vou à feira que fica perto de casa e, depois, vou continuar  ouvindo os dias, as pessoas e as coisas que o enfeita.

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