sábado, 5 de setembro de 2020

“Pai, afasta de mim esse cálice”

 


“Pai, afasta de mim esse cálice”

Chico Buarque e Gilberto Gil

A música de Chico Buarque é de um tempo em que pouco podia se falar. Se fosse uma crítica ao governo, esse pouco era nada, foi preciso usar o “cálice de vinho tinto de sangue” para se referir ao cale-se ordenado pelos ditadores de plantão. Não faz muito tempo, pensávamos que era coisa de um passado triste e lamentável. Imaginávamos que tínhamos direito de pensar, escrever, falar e cantar livremente. Apenas esta semana, tivemos duas provas de que isso não é verdade.

A censura, não pela ameaça de tortura e morte, mas articulada por governos, empresários e com aval da Justiça. Os Guardiões de Crivella, que pagos com dinheiro público impõe no grito o silêncio às críticas da população à administração da prefeitura e tentam impedir de denunciar as falhas na saúde, é um dos absurdos. 

A decisão do juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Rio de Janeiro, de impedir o jornalista Luiz Nassif de publicar reportagens que denunciam negócios suspeitos envolvendo o banco BTG Pactual, é um outro atentado contra a liberdade de imprensa. O banco tem entre os seus fundadores o atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Poderia ter o Papa, mas não há nenhuma justificativa para determinar censura,  Constituição Federal Artigo 5º determina que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Não são os únicos casos recentes de censura em tempos de democracia fragilizada no país. Quando se tem "presidente" que ameaça e desrespeita jornalistas com frases como “vontade encher tua boca de porrada”, “cala a boca, não perguntei nada”, “ela queria dar o furo”, “você tem uma cara de homossexual terrível”, sem que haja nenhuma consequência, não se pode dizer que vivemos uma democracia em que a Constituição é respeitada.

O que temos presenciado, é que querem nos obrigar a engolir como normal, aceitavel, os sinais do abismo em que nos jogaram desde o golpe de 2016. A conivência com as manobras para retirar do poder um governo legitimamente eleito, sem que houvesse crime, abriu as portas para que todas as regras democráticas fossem quebradas.

Voltamos ao passado. Um passado marcado por arbitrariedades em que a censura é um elemento de controle. Vivemos, como diz a música, uma espécie de “pileque homérico” em que querem nos fazer manter “a palavra presa na garganta”. Rebelar-se contra a censura é mais do que uma necessidade. É um dever.

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