sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Quase um Musical

 



Esperava-se que tudo passasse como num sopro, leve, frio e seguro. Mas foi transcedente, traiçoeiro, voraz. Os olhos vazios, de um rosto bonito. Eu sentado procurando, me procurando e achando toda vez você. Carros e mais carros, engarrafamento total. E um barulho irritante, mas quase musical de um vidro batendo numa janela e o refrão era composto pelas businas, um coral de velhos, uma criança chorando, a pipoca, e mulheres conversando sobre uma amiga da amiga e homens falando de coisas banais. Um só, um lá, nada sofisticado demais. Contemporaneidade. Tudo isso formava o cenário do meu teatro.
O sangue é ralo e sai depressa demais para poder conseguir estancá-lo com um pedaço de pano. A dor causada por nossa vontade de língua e de produzir outra vida era grande, desesperada, às avessas. E apesar de todos os desejos estarem juntos e serem nauseantes, ainda não era nada difícil sorrir e gozar um no outro. Ainda era gostoso cantar músicas bonitas com uma boca num ouvido gelado. Os olhos escutavam com uma atenção encantadora e brilhava tanto quanto chorava.
A mulher conseguiu sentar. O ônibus quase esvaziou de gente. E eu também desci, pés cansados de um dia inteiro que não acabava de levar tédio para as horas. O sangue escorreu quase grosso, quase cessando. E a cabeça confusa e cheia de buracos que tentavam fazer mais buracos e tentava fazer alguma coisa palpitante ser feliz. E o egoísmo nada frágil de não deixar você me deixar. Quase um fracasso.
Não,
era só vontade de você mesmo.

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