sábado, 10 de novembro de 2018

Vamos em frente.

No quintal, gente andando de um lado para o outro. Meu avô queima os muitos papéis guardados no quarto dos fundos da casa. Um vizinho aparece com os filhos e diz que vão com meus avós, que ninguém ficaria ali naquela noite.
Vamos. Pegamos um táxi. A rádio ligada dando as notícias da chegada do exército em Volta Redonda. O taxista diz que espera "que acabem logo com esses comunistas". Nos olhamos, silenciosos.
Chegando na casa de D.Dirce, a televisão está ligada e começa o Jornal Nacional com uma matéria com imagens do exército chegando na cidade. O jornal explica como isso é importante, que é só para dispersar os manifestantes, que só usariam balas de borracha, não há risco a ninguém. Afirma que é para garantir o funcionamento dos fornos  da siderúrgica.
Vejo a farsa da notícia e os olhares de terror nos adultos presentes. Vou banheiro chorar sem emitir som para não deixar minha avó ainda mais preocupada.
Meus pais chegam e me chamam pra conversar. Me explicam que têm que ir, que precisam apoiar os operários em greve da CSN. Eu já sabia, concordava e entendia. Nos abraçamos. Também sabia que poderia ser nosso último abraço. "Te amo, filho". "Também te amo."
Ninguém dormiu.
Naquela noite, três operários foram assassinados com as tais balas de borracha: William, Walmir e Barroso.
Isso tudo fez com que o líder sindical Juarez Antunes se elegesse como prefeito, que um forte movimento de memória aos três assassinados acontecesse, que as pessoas compreendessem o tamanho do peso repressivo que não havia ido embora só porque diziam que a ditadura havia acabado.
Resistência é transformar um momento dramático em luta.
Meu respeito aos que ali lutaram, e em memória de avôs, avós, tios, tias, primos primas, amigos e desconhecidos.
Vamos em frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário