quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Lute com suas palavras

 

Ilha Grande, não lembro quando. Noite de lua cheia. A expectativa era apenas vê-la nascer. O tempo parado, alguns chamegos, um copo a ser esvaziado, um cigarro e um clima de verão. Na plataforma sobre o mangue que dá acesso à Praia dos Nativos, já meio escuro, a surpresa de cumprimentos efusivos e de posturas e críticas ao fascismo, e a promessa de mudar o mundo com o fim, breve, deste governo. Um sentimento geral de esperança no ar. Era mais um estado de espírito do que qualquer outra coisa.

Às 19 horas, estávamos todos na areia, sentados ou em pé, à espera da lua que iria nascer, rigorosamente, às 19:10, de acordo com a Ciência. E havia um leve frenesi no ar. Todo mundo checou o horário nas redes sociais, não tinha como falhar: às 19:10, a lua surgiria esplendorosa. Seria nossa única vedete e reinaria brilhando acima de todas as outras esperanças. E viria linda, poderosa e magnetizante. Quem tem amores se apegaria aos fascínios da paixão. Quem está desolado de amor iria suspirar pela esperança que a lua impõe sobre os amantes e os carentes. Sexo é um poço de expectativa, muito desejo e a necessária exaustão. A vida, enfim.

E, às 19:10, nada da lua! Como errar? Todas as consultas foram feitas! Todas as previsões científicas! Enfim, toda essa gente apostou que, naquele horário, a lua surgiria, nua, linda e desfilando sobre nós. Mas ninguém, nem mesmo o tempo, contava com as nuvens escuras, traiçoeiras e vulgares. E, de repente, todas as hipóteses foram frustradas. Às 19:30, após longos 20 minutos da precisão astrológica, o céu ainda permanecia placidamente escuro. Não havia nem sombra do óbvio, nem uma migualha do esplendor da lua vigorosa e fascinante.

Que nuvem estranha e difusa foi essa que veio impedir a lua de brilhar cheia, linda e poderosa na hora em que os astros diziam ser a hora? Como frustrar todo esse povo que se deslocou até a Praia dos Nativos, respeitando o horário da natureza, e que, subitamente, percebeu que nem o tempo era assim pontual, infalível? A história, a natureza, as tais verdades e a vida não têm nunca um enredo único, fechado e definido. Nem mesmo a natureza tem a definição de exatidão e certeza.

Nas noites de lua cheia, todos nós, ou alguns de nós, fazemos nossas preces. Quando me deparei com a lua impedida de soltar o seu brilho, confesso que entrei em estado de alerta. Tudo era tão certo. e  eu apenas segui todos os guias, todas as previsões e todos os Orixás.

Mas acabamos ficando num silêncio constrangedor e numa escuridão assustadora. E, pensei: se os astros e a Ciência erram, imaginem as pesquisas. Terror absoluto! Medo das nuvens estranhas, da falta de luz, da obsessão pela mentira e da falta de previsibilidade. Medo de tudo: da lua não nascer, do dia não raiar e da vida não sair mais por detrás das nuvens da escuridão. Medo de que minutos que obstruíram a visão da lua representassem a morte. Morte de qualquer expectativa de voltar a ver a força da luz de uma lua cheia e do que ela representa para o ciclo vital do mundo.

É mais ou menos isso: se, por um desastre, a luz da esperança não vencer o obscurantismo do fascismo, nós estaremos pra sempre condenados a viver na escuridão, nas trevas. Será o fim. O nosso fim. E, talvez, nós nem sequer tenhamos a chance de prender a respiração e torcer para que as nuvens escuras se dissipem e, enfim, a lua entre em cena, esplendorosa, atrevida, quase obscena, bela e insinuante, afastando as trevas e nos abraçando.

Acho que a lua quis dar um recado.  “Lute. Mesmo que sua luta seja a mais vã.… Lute com suas palavras. Elas são uma arma poderosa, de transformação, de mudança.  As palavras são armas mas não fazem o sangue jorrar.

Um comentário:

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