Durante o isolamento na pandemia, todos nós, de alguma maneira, nos reinventamos em muitos sentidos. Desde aprender a ter a solidão, até criar coragem para fazer coisas em horários não usuais. Quem não tinha rotina organizou uma, mas aberta, sem grades e nem satisfação para dar. E quem já tinha, gostou não ter que cumpri-la.
Aprendi a ter um cuidado, a valorizar o olhar do outro, a dor do outro e o gesto do outro. Mesmo o outro não estando perto, ao lado. Talvez, por termos que enfrentar a pandemia tendo um sádico como presidente, alguém que nunca teve qualquer empatia ou solidariedade com nada nem com ninguém - um monstro -, passar a nos preocupar com os detalhes, numa tentativa de olhar o mundo também com o olhar de quem estivesse dividindo o instante com a gente, ganhou um valor especial. E cada instante passou a ser realmente um instante de significado.
Até nos vários grupos de WhatsApp a gente se reinventou. Em alguns, fomos cortando os fascistas, os negacionistas e os chatos, nos permitindo encontrar uma identidade que justificasse estarmos conectados. Em um outro, passamos a prestar atenção e a esperar, ansiosamente, certos escritos que alimenta a alma. Acaricia. Instiga.
Fomos nos posicionando e mudando o olhar para o enfrentamento necessário neste tempo de angústia e indefinição. Nos tornamos, pelo menos alguns de nós, talvez mais politizados, exigentes, questionadores. A necessidade de resistir à barbárie institucionalizada canalizou nossas perplexidades, raivas e frustrações. Os fossos cavados a seco distanciaram amores antigos e impediram novos, mas reinventamos e salvamos outros. Uma grande sacudida geral.
Gestos que salvam e protegem sempre nos acompanharam.
Hoje, temos um país entregue às traças. O governo federal empenhou-se em não comprar vacinas, em não fazer campanha de imunização e em desprezar o SUS, nosso exemplar sistema universal de Saúde. Nossa estrutura para testagem é inexistente. E ainda a ridícula e criminosa consulta popular para decidir sobre a vacinação de crianças e adolescentes.
Fiz um brinde imaginário. Afinal, é uma tradição os cumprimentos mais efusivos na virada do ano, até porque estaríamos exorcizando os demônios do fascista que nos preside e comemorando os novos tempos que se iniciarão no final desse ano.
Que todos tenhamos um ano de mais cuidados, mais afetos, mais ousadias e que em outubro a gente possa comemorar a entrada de uma nova vida. Eu tive que me segurar nessa virada, mas estou me guardando e quero abraçar e beijar a todos os que estiverem no projeto de um país mais justo, igual e solidário.
Ainda é o advérbio lindo da esperança.
Que a palavra trema dentro da frase, não finda.
Nos lábios da criança o sorriso é ainda.
Ainda flor é a rosa.
Ainda paz é o poema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário