quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

GOSTAR DE VIVER .





É um ano que se inicia, e ele não está. Já se foi há algum tempo. Ele não mora comigo, nem em casa nenhuma. Mora onde moram aqueles que esculpiram vidas com a própria vida. Era ele um cuidador de gentes. Se há moradas na casa do Pai, preparadas para quem amou, é lá que ele está. E é aqui, também. Em um turbilhão de recordações. em palavras que estão dentro de mim.

Sou carente, confesso. Abraço lembranças e fico em silêncio, pensando. Olho o passado, com alguma frequência, e cultivo a saudade sem melancolias. O tempo vai se esquecendo de que gostamos de permanecer e, quando vemos, não podemos mais ver. Não com os olhos.  
Vejo em mim em gestos que aprendi com ele. Gostava, quando criança, de brincar com suas mãos. Grandes. Gostava das histórias que ele me contava. Gostava de quando ele ria das palavras que eu inventava. Mas o que eu mais gostava era da forma com que ele tratava as pessoas. Ele era um homem bom. 
Exerceu ele, tantas vezes, o ofício de curar destinos, de espalhar belezas, de ouvir por amor. Quando ele morreu, eu sabia que não era a morte suficientemente forte para terminar um sentimento tão lindo. Quando ele morreu, eu a abracei como quem busca um poder de amaciar a dor. E choramos sem pressa.
Hoje, acordei pensando nele. Mais uma vez. eu o observava observando as pessoas. Havia uma mulher que, invariavelmente, fazia perguntas e narrava histórias . E ele ouvia. Sem exigências práticas. Apenas ouvia. E compreendia que ela estava ali para aliviar a solidão. Um outro foi explicar sobre uma dívida não saldada, e ele, pacientemente, acalmou-o, explicando que esperaria. Quem faz isso? Quem compreende. Demorou a se casar. E, quando se casaram, espalharam romantismos sem economias. Ela ainda hoje, recorda-se dos gestos daquele cavalheiro, daquele viajante que a viu em um a calçada e decidiu que era com ela que haveria de aquecer a vida. Não sei, se há, ou não, essa história de alma gêmea ou de amor único, só sei que, desde o início, eles se amaram. Nas diferenças. E, no encanto da unicidade, fizeram a viagem juntos. Até o dia da despedida.
A casa da minha infância já esteve cheia de tristeza e já viveu pintada de alegria.
É difícil nos acostumarmos às despedidas. Preferimos sempre as chegadas. Por isso há tanta festa quando alguém vem. Um filho vem. Um amor vem. Lembrança dos primeiros beijos em uma pessoa amada. Do aguardado reencontro.
Ela fala da timidez daquele tempo. Do namorar acompanhado. Do sonhar com que o dia cumpra o seu dever e o entardecer traga ele de volta. Desenharam um amanhã, com os olhos, com os sorrisos e com um desejo de permanência. Nos aniversários dele havia muita movimentação. Ela  sempre gostou de festa. Inda mais da festa do seu amor. Era bonito de ver os dois sendo um. E cada um sendo o melhor que podia para que os dois fossem felizes. Ele ria do nervosismo dela. Ela brincava de dar ordens. Ele brincava de obedecer. E assim fui crescendo.
Teve um ano que eu dei a ele uma carta de presente, era sobre a sua história. Escrevi com o teclado dos sentimentos. E ele gostou. E ele chorou. E ele, novamente, leu e se viu. Dor a dor. Frio e flor. Estações que foram se sucedendo e concedendo a ele o dom de viver.
No aniversário deste ano, só posso dar de presente sua presença em mim. Acordei triste, confesso. Mas confesso, também, que conheço a tristeza. E a cultivo como parte de quem sou. Ela me humaniza, me explica que eu preciso de colo. E que, se choro, é porque aprendi que a lágrima é uma delicadeza da alma para acalmar os meus sentimentos. Pai, feliz aniversário. Não sei como é a festa na morada em que você vive. Só sei que você vive. Aí e em mim. E, fica tranquilo, daqui a pouco o choro vai embora, e eu volto ao que você me ensinou.
Viver.
Gostar de viver!

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