domingo, 11 de outubro de 2020

Olga Completou o Poema.

 




Era um início de fevereiro e fazia calor. Queria ser ponte entre o humano e o Sagrado. Era menino ainda, e ela entrou. Era linda, iria me ensinar Introdução à Filosofia. Me olhou e iniciou a viagem pelos filósofos da liberdade. Nunca me esqueci desse início. Eu copiava com medo de que a palavra se perdesse, de que o esquecimento roubasse um saber tão novo e iluminador. O ano foi me apaixonando e eu, ainda hoje, abraço os filósofos que ela me apresentou.

Era talvez setembro, e eu estava triste. Tudo era construção e desconstrução. Possibilidade e medo. Segurança ou voo. E foi ela, a que antes havia me apaixonado no saber, que cuidava de mim, na psicologia dos sentimentos. Foram tardes de cultivos. Enquanto descansava em uma poltrona quase divã, via a exuberância dos ipês amarelos que explicavam que a vida prosseguia. 

Era novembro e fazia calor. E havia um frio em mim. Estava sentado em uma escada. Olhava para janelas de um dia que terminava e sofria o medo de não dar certo. Um professor havia rabiscado meus sonhos. E eu tinha medo de não conseguir prosseguir. E, então, ela passou andando com seus livros e sua paz. E nos vimos. E eu me despedacei em palavras desconectadas. Ela estendeu a mão e todo o resto para que caminhássemos juntos. E, assim, eu prossegui.


Não poucas vezes, sentávamo-nos para viver o dia. E a palavra ganhava significado. Foi me orientando, enquanto eu crescia, ela acrescentava sabedorias na minha inquietude.

Era ela uma mulher de muito conhecimento. E, também, do silêncio dos que se alimentam de sonhos. Quando a via olhando para o alto e para dentro, eu compreendia. A sabedoria transcende o humano. A ponte com os une é mais sólida, as bases nasceram de uma crença de humanidade, no essencial.

Ela ouvia minhas certezas e se certificava de que era insegurança. Uma ou outra pergunta já me desconcertava. Então, fui sendo simples. Lia os meus textos e comentava com delicadeza e sinceridade. E me ajudava a celebrar a autenticidade. Foi ela uma parte minha vida, e hoje ainda é, de uma forma que ultrapassa tudo o que se pensa saber. 

Íamos juntos ao teatro celebrar a arte, víamos os filmes e suas narrativas de encantamentos, alimentávamo-nos em jantares que rasgavam as noites e traziam o sabor do saber.

E, então, ela completou o poema.

Viveu para a educação e para a serenização das almas. Viveu para falar de Tereza D'Avila e Clarice Lispector, de Agostinho de Hipona e de Goethe, e do Grande Sertão, como ensina Adelia. Eu falava que ela fazia parte de uma congregação. Viveu para a sua congregação, as filhas de Maria Auxiliadora, as mulheres missionárias de amor profundo pela razão e pelos afetos, como se fosse uma especie de Paulo Freire, de Marilena Chaui.

Viver é uma despedida. Todos os dias, dos dias nos despedimos. Todas as horas, das horas nos despedimos. E um dia, então, chega. Um dia em que nem o dia nem a hora escapam de nós. Entregamo-nos inteiros ao Amor que é maior do que o tempo e do que o espaço.

No espaço da minha vida, ela estará sempre, como gratidão, como entendimento de que bebi dos seus poemas para poetizar também. E, um dia, nos reencontraremos. Não sei se por lá os Ipês amarelos florescem apenas na primavera ou se será eternamente primavera. Ou se nem de primavera precisaremos.

Não sei se haverá abraços nem prosas, ou versos. O que sei é o que o mistério é quando escrevo com simplicidade. Mesmo assim, parcialmente. Não nos foi dado conhecer o que viria com participação dispensável minha, de seu ventre. 
 Olga já sorri o sorriso que nunca termina...

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