domingo, 1 de agosto de 2021

DANÇANDO SEM USAR AS PERNAS

 



Foi ela quem me ensinou o que é ter um amigo, também foi ela quem disse, sem dizer, como é perder amigo. Nunca mais quis depois dela perder nada, nem a Flora, mas a Flora foi sem que eu pudesse impedir.

A pior coisa de todas é vê-la reduzida à um número, e tinha sido. Eu nem sei o que pensei na hora, mas chorei mais do que antes já tinha chorado um dia. E nunca mais quis saber de números, nem perder amigo.

As lembranças mais fortes são nossos encontros, nossa alegria, e ela dizendo que se eu quisesse logo o livro de volta ela lia mais rápido e devolvia.

Não ligo pra prazo não, só pra acesso. Ela nunca pediu nada, mas a gente fazia. Falaavam que ela não era lá muito flor que se cheirasse, e eu sabia que não era, e era essa a melhor parte.

Ela tocava o terror na escola inteira, baixava o capeteiro, abraçava o capeta e ensinava-o como dançar sem pés. E também me ensinava que o mais importante é conversar.

Sei lá quantos anos ela tinha, quinze? Sei lá quantos anos eu tinha, ela era mais velha que eu. E também eu era difícil e tocava o capeteiro e continuo sendo pirracento e chato, mas ainda gosto de conversar e de ler, como ela.

O aniversário ainda lembro a data. Ela era, e é tão forte que achava o máximo quando tinha que tomar sangue uma vez por trimestre porque aí ficava ativíssima.

Ainda assim, era amarela, e tinha aquele cheiro que eu aprendi a reconhecer depois como cheiro de prazo curto. Tenho medo de sentir aquele cheiro em mim, e em quem gosto, mas depois dela já senti outras duas vezes e não disse. Será cheiro de saudades dela?

Também não aprendi a escrever como ela, e não vou nunca. Mas preciso volta e meia lembrar dela e sentir falta, porque aí entendo que sirvo pra contar história, e que isso é útil para moças amarelas que gostam de conversar e têm prazo curto. 

Que as narrativas aumentem a vida dela, e os anos já contados!

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