quarta-feira, 28 de junho de 2023

COISAS DA GAVETA ( número 2) ENCONTRO

 


Assim, agachado no canto, posso ver melhor o quarto. Encostado nesse encontro de duas paredes, posso vê-lo inteiro. Há dias o sol não bate aqui dentro. tenta entrar pelas  janelas, mas não deixo. Fecho as cortinas na cara dele. atrevido, o sol. 

Mas eu só preciso fugir daqui. Frio demais o que eu escrevo. Não há espaço nesse céu muito azul, limpo. 

A cidade é sempre cinza. O vento sempre leva alguma coisa, os cabelos, um papel, seu perfume, e balança as cores de seu vestido. 

Há dor demais no que eu escrevo. Não existem amores perfeitos, a lágrima é sempre de saudade, as fotos rasgadas, as frases no avesso. Na cama, sempre sobra um travesseiro. Só há lugar pra letras tristes, frases desbotadas, rimas imperfeitas, e há exagero demais no que escrevo.

Tempestades em copos pequenos. gritos, berros, palavras. Nao traições ou mentiras. Há arrependimentos demais... talvez por isso, e apenas por isso, seja preciso colocar uma outra e não a minha, naquilo que escrevo, como se eu estivesse por fora do movimento da vida. a vida rolando feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parado, pateta, sentado no bar. sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. a linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Roda Mundo, Roda Gigante, Roda Moinho, nas voltas do meu Coração.. você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. você fala qualquer coisa tipo..., por exemplo, então você entra, senta  e roda junto com os outros. mas eu fico sempre do lado de fora. aqui parado, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. olhando de fora, a cara cheia, louco de vontade de está lá, rodando junto nessa roda idiota que me tornou estúpido.

Contabilizo minha idade como os cães. Quando tinha sete anos, me sentia gasto como um homem de quarenta e nove; aos onze, tinha desilusões de um de setenta e sete anos. hoje, aos vinte e cinco, na expectativa de uma vida mais tranquila, foi quando  tomei a decisão de cobrir o cérebro com o manto da estupidez. Constatei que, muitas vezes, inteligência é a palavra que designa baboseiras bem construídas e lindamente pronunciadas, e que é tão traiçoeira que frequentemente é mais vantajoso ser uma besta. 

A inteligência torna a pessoa infeliz, solitária, pobre, enquanto o disfarce de inteligente oferece o que? 

Eu de tanto fazer o mesmo caminho ao seu encontro, a calçada já está marcada de tanto ser pisada, assim, quase todo dia. Não sei quando perdi a conta de quantas vezes já aconteceu, mais uma vez, volto pro meu lugar, caminhando devagar, olhando a trilha que eu mesmo deixei pelo chão, cansado por saber que amanhã serei arrancado de casa, levado pelos braços e submetido ao mesmo ritual, pra longe sem ter pedido, caindo onde eu não queria. Terra estranha,  tempos confusos. Além dos muros, e tendo de fazer, mais uma vez, esse mesmo caminho, eu indo, você vindo ao encontro.

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