segunda-feira, 3 de agosto de 2020

NA PRÓXIMA PRIMAVERA



Ontem, fez dois anos dele sem ela. E ela faz, ainda, aniversário nele. Não tiveram o poder da decisão, não limparam os ditos incorretos,não rasuraram explicações.

Tinham o bom e o ruim do silêncio. Ficaram quieto tempo demais. E tudo o que é demais perturba. Por que não ficaram, então, quieto naquele dia? Perguntei

Ele falou primeiro. Contou o que não era necessário ser contado. Culpou o desejo que é mais forte do que ele. Quis estabelecer a sinceridade.

Estavam juntos, há algum tempo. .

Ela falou nada. Olhou para dentro, querendo entender. Tantos anos juntos.

E foi assim o entardecer de um inverno há dois anos.
Dormiram sem abraço. E se levantaram sem calor. Ela se lavou de tudo o que achou necessário. 

Foi quando chorou o fim. Ou não. Ficou imóvel. Enquanto dizia que nunca mais o enxergaria como antes, fez silêncio. Deitou-se na cama, em que tantas vezes se amaram, e se fez perguntas querendo saber por que ele não a abraçava eternamente, por que ele não espantava, junto com ela, o frio daquele dia e de todos os outros.

Como ele queria ter dado aquele abraço! Mas não deu. Como ele queria ter dito que era ela a mulher da sua vida! Mas não disse. Ficou no silêncio perturbador, zeloso dos enganos. E, então, ela  abraçou a si mesma e foi se levantando. 

Quanto aos desejos que teve, se abrandaram. E foram apenas desejos de um homem inseguro diante do despedir da juventude. Nada aconteceu.

Desarrumada, arrumou as suas coisas. Disse que o resto alguém organizaria. Ele disse nada. Ficou olhando e chorando por dentro. Imaginava que ela iria mudar de ideia. 

Na primeira noite sem ela, algum alívio. Nos últimos tempos, havia muita posse, muito ciúme, muita invasão.

A liberdade de alguns dias foi se transformando em cansaços. Ele tinha a certeza de que ela voltaria com a alegria de sempre, com as festas por bobagens, com as quebras do seu silêncio. Era ela a barulhenta da casa. Seu jeito de menina bagunçava de um jeito bom os seus dias. No jardim que plantaram um no outro, havia os dias festivos, de viagens, de noites de luares. Havia as imagens, um à espera do outro. Da janela de onde se via tanta gente, ele a olhava atravessando a rua e voltando. E ríam à distância. E, então, ela entrava e se amavam como nos inícios.

Soube dela por outros. Que está bem. Que ri das coisas simples e que pouco fala dele. Chegou a encomendar flores e ensaiar uma surpresa. Desistiu. Talvez prefira a lembrança do que viveu e do que imaginou.

A distância apaga as feituras e confunde os fatos. Soube por outros de segredos que ela escondeu. De fazeres errados. De alguma hipocrisia, quando chorou fidelidade. Mas não é nisso que ele pensa, agora. Pensa no seu cheiro e em alguma esquina em que, quem sabe um dia, se encontrarão novamente.

Espero que o reencontro deles seja na próxima primavera...

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