domingo, 30 de agosto de 2020

O TEMPO PASSANDO.

 


Tenho 7 anos. Olho para minha professora e procuro desculpas para que ela me veja. Faço perguntas desnecessárias e comentários que tentam roubar algum riso seu. Em casa, penso no que dela fica em mim. Seu jeito de andar, sua braveza leve, seu penteado, seu perfume.

Tenho 14 anos e não gosto do que vejo. Uma vergonha de ainda não ser homem. Uma preocupação de não ser mais criança. Natália tem 18, não me olha como eu a olho. Sou um amigo responsável e é ela a mulher que desejo para a eternidade. Acabou, há pouco, um namoro. Aprendi a palavra entressafra. Senti ser o momento ideal para dizer meus sentimentos. Deu em nada. Jogou um olhar piedoso e decidiu não querer estragar a amizade. O consolo que era ela 'namoradeira demais', concluií .

Tenho 17 anos. Estava tudo bem. Janaína 20 anos desceu de algum planeta para iluminar minha vida. Me ofereceu, sem pestanejar, o paraíso. Foi o que senti na primeira vez em que nos deitamos juntos. Meu corpo se transformou, meus pensamentos, também. Os risos constantes atestavam minha sanidade. Era bom ser dela. O futuro já estava certo, quando, sem muita cerimônia, ela partiu. E eu, partido.

Tenho 23 anos. Desmarcamos o compromisso. Subitamente. Talvez tenha sido eu o portador do erro. Respondi aos seus desejos de futuro com posturas evasivas. Fiz, repetidamente, o discurso da liberdade. Sabendo que o enlace mais aprisiona que pereniza sentimentos. Juliana, então, arrumou sua parte na nossa história e se foi. Era inverno e, em pouco tempo, compreendi o meu erro.

Tenho 30 anos. Marina é linda. É de todas as mulheres que conheci a que mais se alimenta de poesias e de flores nascidas de encontros suaves dos cotidianos. Tão minha e eu não dela. Foi então que, cioso da eternidade de nossa história, fui brincar com outras histórias. Na imaturidade dos meus anos, quis mostrar aos meus amigos o meu poder. E, então, ela disse "não". Tentei explicar. Ela cobriu minha voz com seu choro calmo e partiu. E eu sofri como sofrem os imbecis. Tentei colar. Os cacos despedaçados já não se encontraram.

Tenho 40 anos. E brinco de desencontros. Prefiro a solidão ao medo da perda. Me enrosco em palavras, quando me interessa o encontro. E, logo depois, justifico a decisão irrenunciável de permanecer sem ninguém.

Tenho 49 anos e estou completamente apaixonado. Penso o dia inteiro em quem dia nenhum pensa em mim. Já ofereci o mundo e já recebi nada. Falamos algumas vezes depois e ela se mostrou decidida a permanecer sozinha. É o que me diz. Já investiguei se outro a tem em meu lugar. Descobri nada.

Tenho 60 anos e conheci virtualmente, quem comigo vai descortinar as estações. Foi sem procurar e surgiu ela em um desses dias pandemônicos de isolammentos, silenciosos de nenhuma espera. Ou melhor, para ser lírico, foi em uma praça, foi em um pedido de informação. E nos informamos que o melhor era nos guiarmos para não nos perdermos mais.

Ela vive comigo o amor que espanta as teorias de que só nos inícios se experimenta as quenturas. Nos surpreendemos com delicadezas e nos ousamos mais. O que fazemos é forte e aquece os dias bem vividos.

Tenho 70 anos e continuamos como no início.

Tenho 77 anos e ando com a sensação adolescente de uma paixão correspondida. 

Tenho 84 anos e estou sentado na mesma praça em que a conheci. O dia está frio. E, ao, longe a vejo chegar sorrindo.

Tenho 91 anos e vivo bem de saúde e de amor. É Ela que conheci há alguns anos, eu tinha 60, em uma praça, que esquenta o seu corpo no meu. Nos amamos com respeito e respeitamos nosso jeito de decidir viver acompanhado. O amor nos promete o milagre da longevidade

Tenho quase 100 anos, mas sobre esse dia falo em outro momento, sem pressa.

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